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Histórico do venture capital no Brasil: do surgimento até hoje

Histórico do venture capital no Brasil: do surgimento até hoje

17 de outubro de 2021
9 minutos de leitura
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Artigo atualizado em 17 de outubro de 2021

Saiba qual o histórico do venture capital no Brasil!

Apesar de os investimentos de capital de risco terem aumentado significativamente no Brasil nos últimos três anos, o mercado de venture capital ainda é pouco desenvolvido no país. No entanto, não é de hoje que os investidores brasileiros captam recursos para injetar em empresas emergentes. Já em 1981, em Porto Alegre, a Companhia de Participações iniciou uma fase de investimentos early stage que durou até 2005, quando a organização decidiu avançar para os aportes de growth capital.

A criação, o funcionamento e a administração de fundos voltados para negócios de risco foram regulamentados pela Instrução CVM 209, em 1994. Em 2000, surgiu a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), com o propósito de desenvolver o ecossistema nacional de investimentos de longo prazo. Inspirada em modelos do exterior, a fundação da gestora Monashees, em 2005, é outro grande marco da história do venture capital no Brasil.

Para o hub de inovação Distrito, porém, a formação do fundo Criatec I pelo BNDES, em 2007, foi o ponto de partida para a evolução dos investimentos de capital de risco em nosso país. Com um Patrimônio Comprometido total de R$ 100 milhões, o objetivo do projeto era capitalizar e dar apoio gerencial a micro e pequenas empresas inovadoras de capital semente.

A partir de 2007, o capital empreendedor se torna cada vez mais acessível aos fundadores de startups brasileiros. Em 2011, o grupo Anjos do Brasil é criado e, com o aparecimento das aceleradoras nos anos seguintes, o mercado nacional de tecnologia começa a ganhar destaque em toda a América Latina.

A estruturação desse ecossistema de inovação na última década resultou em um abrupto crescimento no volume de dinheiro investido em startups em 2019, 2020 e 2021 (gráfico). Aliás, neste ano, até o mês de setembro, as nossas techs já divulgaram o recebimento de cerca de US$ 10,5 bilhões em aportes, valor superior ao dobro do total divulgado em todo o ano de 2020.

O gráfico mostra o volume de investimentos em startups no Brasil de 2017 a setembro de 2021, em bilhões de dólares
Gráfico retirado do Inside Venture Capital Report

Os três ciclos do histórico do venture capital no Brasil

Para Francisco Perez, fundador da Inseed Investimentos e atual diretor executivo no Banco Alfa, a história do capital de risco no Brasil pode ser dividida em três ciclos. O primeiro ocorreu na década de 2000, quando os investidores apenas começavam a assimilar os empreendimentos de inovação tecnológica e a cultura das startups.

No início do século, o estouro da bolha das empresas de internet ainda pairava sobre a cabeça de executivos do mundo todo. Embora os negócios digitais apresentassem excelentes perspectivas de crescimento e retorno, ficava claro que eles precisariam da mesma consistência das organizações tradicionais para ter sucesso.

Nessa época, muito por causa dos ganhos originados pela venda de commodities agrícolas, o Brasil atravessava um momento de relativa prosperidade econômica. Não obstante o cenário favorável, o investidor brasileiro ainda pouco se entusiasmava com o universo do capital de risco. Ao mesmo tempo, as gestoras privadas enfrentavam enormes dificuldades burocráticas para captar recursos. Assim é que o primeiro ciclo do venture capital no Brasil foi conduzido por investidores institucionais, principalmente por fundos de pensão e órgãos de fomento. 

Perez também aponta que o próprio perfil do empreendedor brasileiro era então bem diferente daquele que surgiria na década seguinte, a de 2010: ‘Nessa primeira safra, eram raros os empreendedores típicos do mundo do venture capital. A comunidade era muito condicionada pelo ambiente econômico do país, e não se encontrava com a facilidade de hoje aquele empreendedor por natureza, com o comportamento adequado para liderar startups.’

O segundo ciclo acontece entre 2010 e 2020. Nessa fase bem-sucedida, surgem os primeiros unicórnios brasileiros, inúmeros hubs de inovação aberta, projetos de apoio ao desenvolvimento do ecossistema e os programas de corporate venture capital, conduzidos por grandes empresas ansiosas para iniciar sua jornada de transformação digital. Também ganharam força nessa fase o investidor pessoa física e o crowdfunding, o financiamento coletivo de startups.

Os eventos de liquidez, ou exits, se tornaram mais frequentes no mercado, levando muitos investidores a reaplicar o dinheiro adquirido em outras empresas emergentes em busca de novos ganhos. Não menos importante, os estudos com dados e informações sobre o ecossistema nacional de inovação começaram a aparecer e deixar o cenário mais transparente e atrativo para os investimentos em startups.

Por fim, o terceiro ciclo, que teve início nesta década de 2020, já começa com uma cultura de empreendedorismo bastante difundida entre os jovens fundadores de startups e uma verdadeira pressão competitiva para que as corporações tradicionais inovem através da tecnologia. Além de uma quantidade recorde de novos investidores dispostos aos ativos de risco — sinal de que a expectativa e confiança em relação às techs brasileiras só aumenta.

Centenas de investidores

Em 2007, no mesmo ano do surgimento do fundo Criatec I, onze investidores diferentes aplicaram dinheiro em startups no Brasil. Em 2021, até setembro, foram 544. Ao longo desses catorze anos, é possível observar dois ‘booms’ na quantidade de investidores ativos no nosso mercado de inovação e empreendedorismo.

O primeiro ocorreu entre 2012 e 2015, quando esse número saltou de 118 para 199. O segundo teve início em 2017, ano que terminou com 211 investidores participando de rodadas de aplicação em startups, e vem se estendendo até este momento, com os atuais 544 (gráfico). Mais do que um recorde, 2021 ainda pode ser considerado disruptivo, já que foi o ano em que o número absoluto de investidores no ecossistema mais aumentou em relação ao ano anterior desde 2007. E isso a três meses de 2022.

Ao todo, 634 investidores institucionais (fundos de venture capital e private equity, family offices, empresas de participação, aceleradoras e grandes corporações) já realizaram aportes em startups no Brasil, considerando os nacionais e os estrangeiros.

O gráfico mostra o número de investidores que aplicaram em startups no Brasil de 2017 a setembro de 2021
Gráfico retirado do Inside Venture Capital Report

Investidores internacionais

Por sinal, muitos dos fundos de venture capital que lideraram ou participaram de mega rodadas de investimento em startups brasileiras neste ano têm sede fora do país: SoftBank, Tiger Global Management, Tencent, Riverwood Capital, Accel, Ribbit Capital e QED Investors são alguns deles.

Do ponto de vista de Ethan Choi, da Accel, o mercado de inovação no Brasil tem evoluído porque a tecnologia está sendo incorporada em cada aspecto da vida dos consumidores. Para ele, isso aumentou a demanda por serviços digitais, o que levou ao surgimento de mais startups e, consequentemente, atraiu investidores.

Uma parcela das grandes gestoras internacionais vê no Brasil um terreno fértil para negócios inovadores, principalmente nos setores imobiliário e de finanças. Isso por causa da enorme massa de pessoas sem conta em banco ou acesso a serviços financeiros, e também da relativa falta de estrutura da indústria de real estate na região. 

Devido a essa precarização, há inclusive quem enxergue no mercado brasileiro oportunidades melhores do que nos Estados Unidos. De acordo com Shu Nyatta, sócio do SoftBank que liderou um fundo de US$ 5 bilhões para a América Latina, a tecnologia no continente está mais relacionada à inclusão do que à disrupção: ‘A maioria da população é carente de quase todas as categorias de consumo. Do mesmo modo, a maioria dos negócios está desprovido de soluções de base tecnológica modernas’. 

Esse Fundo I do Softbank alterou todo o cenário do venture capital no Brasil e nos países vizinhos, encorajando outros players globais a entrar na América Latina. Lançado em março de 2019, o Fundo investiu em unicórnios como QuintoAndar, unico IDtech, Gympass, MadeiraMadeira e Mercado Bitcoin. Em setembro, o conglomerado japonês dobrou a aposta ao anunciar o lançamento do Latin America Fund II, para aplicar outros US$ 3 bilhões em empresas emergentes na América do Sul.

Tendências

Como apontado anteriormente, o mercado de capital de risco no Brasil é precário em comparação com o de economias mais desenvolvidas. Desse modo, é natural que a maioria das rodadas de investimento das nossas startups seja de estágios iniciais, ou early stage. De 2007 a setembro de 2021, as negociações de capital semente sempre prevaleceram sobre todas as outras na esteira do venture capital (gráfico).

O gráfico mostra o número de investimentos de cada estágio da esteira do venture capital realizados em startups brasileiras, de 2007 a setembro de 2021
Gráfico retirado do Inside Venture Capital Report

Por um lado, os investimentos de série A, B e C começaram a despontar no ecossistema entre os anos de 2012 e 2016. Por outro, foi somente nesse mesmo período que as nossas techs passaram a atingir os de série D, E e F. Já o estágio de financiamento mais avançado do venture capital, o de série G, foi alcançado apenas por duas startups nacionais: o iFood, em 2018, e o Nubank, em 2020 (com valor adicional em 2021).

Curiosamente, o valor de mercado das startups brasileiras cresceu nos últimos quatro anos, principalmente o daquelas nos primeiros degraus de investimento. Os motivos por trás desse aumento, bem como a própria acurácia dos valuations, têm sido bastante discutidos entre os especialistas. 

De fato, o valor de mercado de uma startup leva em conta análises subjetivas a respeito dos seus fundadores e quadro de funcionários, o que pode acarretar em números um tanto inflados. A avaliação dessas empresas de tecnologia ainda é definida muito de acordo com o seu potencial de crescimento, e não segundo sua real capacidade de gerar resultados concretos no presente. 

Com o gradual amadurecimento do ecossistema nacional de inovação, é natural que as expectativas dos investidores quanto ao futuro do mercado estejam mais altas. Aliás, outro fator que contribuiu com essa tendência foi o ‘boom’ de novos investidores que teve início em 2017 e que provocou uma acirrada competição pelas nossas startups mais promissoras.

Hoje, os fundos de investimento brasileiros concorrem com grandes gestoras globais, com caixa para realizar aplicações muito mais robustas. Assim é que os primeiros, em clara desvantagem competitiva, acabam oferecendo valuations maiores aos empreendedores como forma de investir nas melhores startups.