O planejamento financeiro de 2021 vai ser como andar de bicicleta
Artigo atualizado em 15 de fevereiro de 2021
Artigo escrito pelo mentor do programa Distrito for Startups, Carlos Ayosa, Diretor Financeiro Regional da LATAM
Excesso de liquidez e suas implicações, vacinas, nova onda de Covid-19, lideranças desconhecidas, desemprego e mudanças por parte do governo nos benefícios aos desempregados. Citando aqui alguns temas relevantes com incertezas eminentes para o ano de 2021. Como desenvolver um planejamento financeiro para 2021 que tenha algum significado para tomada de decisões e ainda assim controlar riscos operacionais com tantas incertezas?
Simplicidade ajuda muito. Momentos de incertezas requerem dinamismo e simplesmente não é possível tomar decisões lúcidas através de um planejamento financeiro com complexidade acentuada. Tentar controlar muitas variáveis podem incorrer em poucas ações devido a dificuldade de interpretação dos dados. Se existe muita imprevisibilidade à frente, a saída é mapear os possíveis dois ou três cenários de forma o mais simples possível.
Vamos pensar de maneira inversa e aplicar complexidade em ambientes difíceis. Imagine ensinar o seu filho a andar de bicicleta com um plano detalhado de informações para o ensino como posicionamento dos pés no pedal, força, postura do corpo e freios – noções básicas apenas. Para a criança, porém, tudo é muito novo e corriqueiro. Qualquer informação julgada relevante é praticamente inútil na prática já que a experiência da criança é simplesmente nova. O número de informações faz com que a criança (e o pai) fiquem extremamente nervosos e frustrados – trazer complexidade para um ambiente novo e difícil pode ser o fim – neste caso, como é possível observar, digo isto por experiência própria.
Como aplicar a simplicidade? Bom, no caso do meu filho, reconhecer que as quedas eram consequências naturais e do chão a criança não passa. Colocar rodinhas, guiá-lo até onde fosse possível sabendo que ele só poderia cair de um dos dois lados foi tudo que fiz. No primeiro dia que fiz isso meu filho aprendeu a cair sem se machucar. E a partir deste momento tirou as rodinhas. E com o tempo ele gradualmente aprendeu a andar de bicicleta.
Modelos de planejamento financeiro no momento atual não podem ser muito diferentes disso – existem dois ou três cenários “macro” pela frente. Saber para onde as coisas podem ir e ter um “range” é o primeiro passo básico a ser feito. No meu caso, eu sabia que meu filho iria cair para a direita ou para a esquerda, no caso do agente econômico o primeiro passo é saber qual é o range de possíveis demandas, por exemplo, em um determinado período do tempo para se preparar em antecipação.
Agora, como aprender a andar sozinho mesmo limitando o número de possibilidades? Como um agente econômico pode ter seu adequado planejamento para definir ordens de produção, gastos de marketing, contratação, demissão e colocação de pedidos para estoque? Mesmo com um range de possibilidades pré-definido, ele não consegue mover do planejamento para a execução claramente. Ele precisa aprender a saber para onde a bicicleta vai cair, caso ela caia, e tomar a decisão certa. Ou ao menos tomar a decisão que vai evitar que ele se machuque.
Girolamo Cardano, médico italiano do século XVI, pode nos ajudar a ter alguma luz aqui. Deixe-me ser sincero primeiro. Cardano também foi um matemático e não antes um jogador inveterado. Não obstante ele trouxe à luz os primeiros conceitos básicos de probabilidade, no seu mais amado jogo de azar, o arremesso de dois dados.
Observando possibilidades passadas, ele começou a estudar e modelar a nova crença do que “poderia” ser o futuro, transformando pura abstração matemática em teoria de probabilidades. No lançamento de dois dados a maioria da distribuição aleatória de resultados da somatória dos dados se concentrava no meio. Basicamente 3 resultados, que são 27% das possibilidades no lançamento de dois dados representam 44% da probabilidade.
Por anos eu trabalhei com modelos de forecast de curto e longo prazo, na maior parte do tempo em segmentos de tecnologia onde o dinamismo é mais acentuado. O que pude reparar ao longo do tempo é que riscos e oportunidades com as mesmas chances ou probabilidades se anulavam – em uma disputa de forças – como o jogo de dados de nosso amigo Cardano. Muitos dos resultados prováveis estavam concentrados no meio.
Mapear possibilidades e calcular probabilidades deve levar o agente econômico para um cenário que mescle outros dois ou três. Em uma combinação de possibilidades surge uma resposta tão equilibrada quanto ao artifício de uma criança não se machucar ao cair. Surge então um Plano A – que não é aprova de falhas, mas combina pressupostos equilibrados de diferentes planos para caminhar em uma rota com muitas incertezas. O equilíbrio é metade do caminho.
A outra metade do caminho já se encontra em prática. A simplicidade, uma vez mais, pode ajudar a dar cobertura. No mar de incertezas, é sempre importante ter um plano B. Assim como a distribuição das forças podem levar ao centro – saber que algo pode dar errado e ter um plano B evita ou ao menos mitiga custos operacionais relevantes. A demanda aumentou e a empresa não estava preparada – tenha parceiros estratégicos prontos para suportar a sua capacidade operacional. A demanda foi menor e os estoques ficaram altos, não espere obsolescência – um problema chama sempre outro – ajuste a produção e esteja preparado para girar o estoque com trade marketing, previamente.
Refaça o Plano A com as novas probabilidades, entre 2 ou 3 possibilidades, execute o plano A e tenha em mente um Plano B.
Aqui finalmente nasce a receita do bolo. Ou como andar de bicicleta…
O constante ajuste fino é uma premissa nesta nova fase de incertezas. Na experimentação e reavaliação constante o gestor de negócios no novo mundo encontra soluções adequadas para aquele momento, utilizando-se de simplicidade e probabilidades, esperando que no futuro em situações similares o aprendizado de hoje seja tão fácil de se repetir, como andar de bicicleta.