Adoção de IA e RH: o paradoxo da capacitação no Brasil
Artigo atualizado em 10 de setembro de 2025
O Brasil tem passado por um processo de adoção de IA acelerado. O frenesi em torno da tecnologia tem levado muitas empresas a buscarem formas de incorporar a tecnologia aos seus cotidianos rapidamente, investindo grandes quantias de dinheiro no processo. No entanto, apesar de muitas conquistarem resultados positivos, nem tudo tem funcionado da forma como deveria.
Segundo o AI for HR 2025, pesquisa do Distrito com profissionais do setor de Recursos Humanos, quase 50% das empresas não possuem estratégia formal para adoção de IA, seja ela em um aspecto mais amplo ou especificamente na área de gestão de pessoas.
Em relação aos indicadores, 73,9% relataram que não possuem KPIs claros para medir o impacto de iniciativas de IA no RH e a falta de compreensão, suporte interno e capacitação continuam sendo grandes barreiras para a adoção da tecnologia no dia a dia corporativo.
Em nosso último artigo, onde discutimos a importância de se considerar inteligência artificial no budget 2026 de forma estratégica, outras pesquisas que abordamos adicionam complexidade à esse cenário. De acordo com o estudo “Desbloqueando o Potencial da IA no Brasil – 2025“, realizado pela Strand Partners sob encomenda da Amazon Web Services (AWS), por exemplo, as empresas consideram que habilidades de IA sejam importantes para 48% dos empregos nos próximos três anos, mas somente 32% se sentem preparadas com o conjunto de habilidades que possuem atualmente.
Já outra pesquisa, a “Trust, attitudes and use of AI: 2025 – global study and country insights”, feita pela KPMG e conduzida pela Universidade de Melbourne, levantou um dado que chama a atenção: entre 2022 e 2024, não houve mudança significativa na porcentagem de conhecimento autodeclarado de IA globalmente, mas o Brasil foi uma das exceções a essa condição, relatando um salto de 38% para 63% desse indicador no período estudado.
Em outras palavras, o Brasil tem abraçado a IA com entusiasmo, mas nem todos realmente sabem como aproveitá-la ou como medir os reais impactos da tecnologia em seus processos. Quando o assunto chega ao universo do RH, esse contraste alarmante pode ser um grande obstáculo para o desenvolvimento de colaboradores e empresas.
Diante dessa reflexão inicial, a pergunta que se estabelece e que pretendemos discutir neste artigo é: como lidar com o paradoxo da capacitação em IA no Brasil?
O cenário brasileiro: entusiasmo individual vs. estratégia corporativa
Antes de mais nada, uma tendência de mercado atual é incontestável: a demanda por profissionais especializados em Inteligência Artificial está em constante crescimento. Um relatório do Fórum Econômico Mundial estima que, até 2025, o mercado de trabalho global precisará de 97 milhões de novos empregos relacionados à IA.
No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Software (ABES), a demanda por profissionais de IA deve crescer 150% até este ano, impulsionada pela crescente adoção de IA nas empresas e pela necessidade de desenvolver novas tecnologias.
No entanto, uma condição única se manifesta no cenário brasileiro. O estudo “AI at Work: Momentum Builds, but Gaps Remain”, do Boston Consulting Group (BCG), revelou que embora o país apresente uma das maiores taxas de adoção de IA globalmente, com 76% de uso regular, a preocupação dos trabalhadores em perder seus empregos para a tecnologia é menor, com apenas 27% acreditando nessa possibilidade.
Todos querem, nem todos entendem
O otimismo não se repete em outros países com alta taxa de adoção de IA e mascara lacunas significativas. Para ilustrar, apenas 36% dos funcionários que responderam a pesquisa do BCG sentem-se adequadamente treinados no uso da IA.
Ademais, o baixo nível de preocupação também reside no desconhecimento sobre o real impacto da IA generativa nas funções de trabalho, dado que a tecnologia ainda não foi amplamente adotada nas organizações de médio e pequeno porte. A alta adoção de IA muitas vezes está mais ligada à iniciativa individual dos funcionários do que a uma diretriz corporativa.
Em suma, esses dados, quando colocados ao lado dos apresentados anteriormente, demonstram que a relação dos profissionais com a IA no Brasil é, para dizer o mínimo, complicada: o entusiasmo individual em torno da tecnologia é notável e as empresas também querem aproveitá-la, mas falta estratégia e conhecimento aprofundado sobre a verdadeira natureza e os potenciais da inteligência artificial, sobretudo no ambiente corporativo.
A nova corrida do ouro: a demanda explosiva por capacitação em IA
Tendo o contexto do país definido, é adequado aprofundarmos os dois extremos do paradoxo discutido: a voracidade do mercado por profissionais de IA versus a falta de suporte especializado e capacitação em IA para que eles de fato se formem. Em primeiro lugar, abordaremos o atual estado do mercado em relação às competências de inteligência artificial.
Quando o assunto é IA nas empresas, a transformação impulsionada pela IA está reconfigurando o mercado de trabalho a uma velocidade sem precedentes. A requalificação deixou de ser uma recomendação para se tornar uma exigência de sobrevivência profissional, indicando que a euforia corporativa em torno da IA praticamente se equipara àquela experienciada individualmente por muitos brasileiros.
Um relatório da Microsoft e do LinkedIn publicado em maio de 2024 apontou um aumento de 323% nas contratações de profissionais com habilidades em IA no Brasil nos últimos oito anos. A demanda é tão intensa que já se manifesta como uma notável escassez de talentos.
Mais da metade dos líderes empresariais (55%) expressa preocupação em não conseguir encontrar profissionais qualificados para preencher as vagas abertas em 2025. Consequentemente, isso está invertendo valores no processo de contratação.
Entender de IA é o novo divisor de águas
A experiência profissional, antes o ativo mais valioso, está sendo suplantada pela proficiência em IA. Com efeito, 71% dos executivos afirmaram na pesquisa preferir contratar um profissional com fortes habilidades em IA e menos experiência a um candidato mais experiente sem essas competências.
Além disso, 66% dos líderes declaram que não pretendem contratar candidatos que não possuam habilidades em IA. Em outras palavras, a fluência na tecnologia está se tornando um item cada vez mais cobiçado no currículo, levando profissionais de todas as áreas a buscarem se atualizar e especialização – por conta própria.
Essa última tendência se reflete em outro dado da pesquisa da Microsoft e LinkedIn: o número de profissionais não técnicos que buscam cursos de IA no LinkedIn Learning aumentou 160% em apenas seis meses. Percebe-se, portanto, que o mercado tem abraçado a inteligência artificial, mesmo que às vezes não saiba como aplicá-la ou mensurar seus resultados.
Shadow AI e os riscos da adoção de IA sem supervisão
Do outro lado do dilema, reside a ausência de capacitação em IA que o próprio mercado tem exigido. Para começar, de acordo com o relatório da Microsoft e do LinkedIn, apenas 25% das companhias pretendiam oferecer treinamento em IA generativa para seus colaboradores em 24% e apenas 39% das pessoas que usavam IA no trabalho em âmbito global foram treinados por suas empresas.
O estudo do BCG complementa: apenas 36% dos trabalhadores afirmaram se sentir adequadamente treinados para utilizar IA em suas rotinas corporativas. O vácuo estratégico de capacitação somado à cobrança por resultados e eficiência abre portas para um fenômeno muito mais complicado e de alto risco conhecido como Shadow AI.
Tal termo se refere ao uso de ferramentas de IA sem supervisão ou aprovação do departamento de TI e governança de uma empresa. Essa prática abrange desde modelos de machine learning até softwares de análise de dados e IAs generativas, como o popular ChatGPT.
Embora soe inadequada a princípio, se os benefícios do uso de IA são claros para o dia a dia de um colaborador mas ele não possui nenhum suporte para aplicá-la e tampouco dispõe de recursos oferecidos por sua empresa, a prática de Shadow AI torna-se perfeitamente compreensível.
Ao serem questionados sobre isso, 54% dos respondentes da pesquisa do BCG estariam dispostos a utilizar ferramentas de IA, mesmo que não autorizadas pela companhia. Esse comportamento não é rebeldia, mas um sintoma da agilidade que a IA proporciona; afinal, quase metade dos usuários economiza mais de uma hora por dia com a tecnologia.
Em última instância, esse fenômeno condensa de modo objetivo a importância da capacitação em IA e de uma implementação estratégica, orientada pelas lideranças, de tecnologia nas companhias.
Outros desafios para a adoção de IA no horizonte do RH
Como demonstramos, falar de adoção de IA do ponto de vista do setor de recursos humanos não é fácil. Esse processo não está isento de desafios e superá-los exige um esforço conjunto de líderes e colaboradores.
Além da prática de shadow AI e da falta de conhecimento para utilizar a tecnologia, um dos principais obstáculos é a resistência à mudança, onde os colaboradores podem sentir-se ameaçados pela automação e pela possível desvalorização de suas habilidades.
Para mitigar essa resistência, a resposta novamente é a mesma: as empresas devem investir em programas de treinamento e desenvolvimento que integrem pessoas e tecnologia, promovendo uma cultura organizacional adaptativa.
Outro ponto crucial é a segurança dos dados e o uso ético da IA, especialmente com o crescente uso de dados pessoais para alimentar algoritmos e com a shadow AI. Para contornar essa questão, as organizações devem implementar políticas robustas de proteção de dados e conformidade com regulamentações como a LGPD.
Alexandre Montoro, do Boston Consulting Group, destaca que a utilização da tecnologia no cotidiano aumenta a confiança, mas ressalta a importância de manter o ser humano no centro do processo (“human in the loop”) para garantir que decisões críticas sejam revisadas e ajustadas.
O papel fundamental da capacitação em IA
Diante de todos os pontos que trouxemos até o momento, uma máxima prevalece: a capacitação em IA é fundamental para a adaptação ao mercado de trabalho. Profissionais de RH e empresas que desconsiderem esse fato não estão apenas se submetendo a uma contradição em sua própria euforia tecnológica, mas também estão expostas a riscos operacionais, financeiros e de segurança diversos.
Uma pesquisa da Gartner, divulgada em 2024, demonstrou que cerca de 38% dos líderes de RH já estão explorando ou implementando a IA em suas operações. É um início, mas não o suficiente, uma vez que a verdadeira transformação digital corporativa deve começar pelo topo das hierarquias e ser orientada pelos especialistas em gestão de pessoas.
No âmbito do RH, dominar IA traz diversas vantagens. Com uma implementação efetiva nos processos de recursos humanos, é possível acelerar o processo de recrutamento e seleção, aprimorar o engajamento e a retenção de talentos, fornecer suporte para os colaboradores com mais agilidade, automatizar tarefas burocráticas, entre tantos outros benefícios.
Já num sentido mais amplo, quando a estratégia de IA impacta a companhia inteira, os ganhos em eficiência e tempo útil para atividades de maior complexidade e peso estratégico podem se multiplicar. No final de uma jornada de adoção da IA bem-sucedida, todos saem ganhando; para completá-la, não há como escapar da capacitação em IA.
Além da tecnologia e eficiência: RH, IA e o componente humano
Um outro aspecto relevante sobre a capacitação em IA reside na valorização do componente humano nos processos corporativos e no núcleo de uma empresa. Investir em capacitação de IA não se limita a uma tática de potencialização de resultados; em um plano ideal, ela representa um verdadeiro impulsionamento do potencial humano.
A automação intensiva pode, de fato, provocar desumanização do setor quando aplicada sem estratégia ou reflexão crítica. Todavia, se administrada com cuidado e foco na IA enquanto ferramenta potencializadora, a transformação tecnológica pode criar condições para que o RH se torne mais focado nas pessoas.
Atualmente, a rotina do setor é dominada por processos operacionais. Boa parte do tempo é consumido com tarefas burocráticas, como gestão da folha de pagamento e administração de benefícios. A IA surge como uma ferramenta de libertação, podendo automatizar e oferecer suporte analítico e operacional para uma série de atividades. Com isso, o profissional de RH pode se concentrar em competências que a máquina não replica.
Habilidades como empatia, pensamento estratégico e mediação de conflitos ganham protagonismo. O tempo liberado pela automação se torna um recurso valioso para ouvir os colaboradores, desenvolver planos de carreira e construir um ambiente de trabalho mais saudável.
O impacto é direto no engajamento. Uma pesquisa da Gallup mostra que os colaboradores se sentem quase quatro vezes mais engajados quando percebem que o RH atua de forma próxima e estratégica. Nesse sentido, a tecnologia deixa de ser um custo ou uma ameaça para se tornar um pilar da retenção de talentos.
O futuro do trabalho: redesenhando cargos e carreiras
A narrativa sobre a IA frequentemente foca na substituição de empregos. No entanto, as projeções revelam um futuro onde a tecnologia atua mais como um catalisador para a transformação e criação de novas funções. Nesse cenário, a inteligência artificial não será o “colaborador perfeito”, mas sim a ferramenta que faltava para que os profissionais alcancem novos ápices.
A verdadeira mudança não está na quantidade de empregos, mas em sua natureza. A IA automatizará tarefas repetitivas, o que levará ao declínio de certas funções. Contudo, a eliminação de tarefas exige um redesenho fundamental dos cargos.
Os líderes precisarão reestruturar os empregos impactados pela IA, transformando-os em “funções generalistas multiespecializadas”. O profissional do futuro terá uma gama mais ampla de capacidades, aumentado pela eficiência da IA.
Dentro do RH, essa transformação exige a criação de cargos inteiramente novos, como o Tecnólogo em RH, que atuará como ponte entre as necessidades do negócio e as capacidades da IA, e o Responsável por Produtos de RH, focado em otimizar a experiência do colaborador.
Conclusão
Em resumo, o Brasil se encontra em uma encruzilhada crítica na era da inteligência artificial. O paradoxo entre a alta adoção e a baixa capacitação formal não é apenas um desafio, mas uma chamada à ação para líderes, empresas e, principalmente, para o setor de Recursos Humanos, uma vez que a tarefa de capacitar, gerir e aprimorar as habilidades dos colaboradores parte primariamente desse núcleo de trabalho.
A energia da força de trabalho que abraçou a IA de forma orgânica é um ativo valioso. No entanto, sem uma estratégia clara de capacitação e governança, corremos o risco de transformar o potencial em caos. O RH tem a oportunidade única de liderar essa transição.
Ao automatizar tarefas operacionais, o setor pode finalmente se dedicar ao seu ativo mais importante: as pessoas. O futuro do trabalho não será uma competição entre humanos e máquinas, mas uma colaboração estratégica. Dominar essa simbiose é o caminho para transformar o paradoxo brasileiro em uma vantagem competitiva duradoura.
Para lideranças e profissionais inspirados a romper com o paradoxo da capacitação em IA, o Mastering AI For Business, do Distrito, é uma alternativa complexa que pode auxiliar consideravelmente. O programa foi desenvolvido para transformar empresas e posicioná-las como líderes em inovação com IA, sendo indicado para o desenvolvimento de todos os níveis organizacionais, desde a alta liderança até os colaboradores operacionais.
Ele conecta conteúdo estratégico a projetos aplicados, guiando as empresas em uma jornada de adoção de IA real, da visão à priorização de pilotos e resultados concretos. Mais do que isso, ele capacita e ensina a capacitar, sendo um aliado de grande valor para profissionais de RH determinados a abraçar a transformação digital.
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