Projeto de lei pode tornar o Brasil polo de operações com criptomoedas
Artigo atualizado em 3 de março de 2022
Os projetos de lei para regulamentar a mineração (criação) e operações com criptomoedas são discutidos no Congresso Nacional Brasileiro desde 2015. Porém, foi só nesse último dia 22 que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) aprovou um relatório que inclui as operações realizadas através de moedas virtuais dentro das regras que regem o sistema financeiro nacional.
O PL 03825/2019 é de autoria do senador Flávio Arns (Rede-PR) e foi elaborado em conjunto com o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Receita Federal e entidades privadas. Agora, o texto será enviado para análise na Câmara dos Deputados; se for aprovado sem alterações, irá à sanção presidencial. No entanto, ainda não há data para que esses próximos passos sejam dados.
O que diz o novo projeto de lei
Em linhas gerais, o texto aprovado na Comissão do Senado estabelece normas para a atuação das corretoras (ou exchanges) de ativos virtuais e prevê a aplicação de sanções para eventuais fraudes no setor.
De acordo com o projeto de lei, as corretoras precisarão de autorização do governo federal para atuar no Brasil. Caso contrário, serão enquadradas no Código Penal por crime de falsificação em prestação de serviços de ativos digitais.
Uma entidade será designada pelo Executivo como responsável pela supervisão das operadoras. Ficará a cargo desse órgão “autorizar o funcionamento, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação das operadoras”, entre outras atribuições.
As casas de criptoativos ainda deverão identificar os seus clientes, assim como as bolsas de valores e corretoras de seguros. Também deverão comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em até 24 horas, todas as transferências que ultrapassarem um limite a ser fixado, segundo determina a Lei de Lavagem de Dinheiro.
Por fim, o Senado incluiu na lei base uma proposta de isenção de impostos para mineração verde de criptomoedas. Uma análise realizada pelo jornal The New York Times em setembro mostrou que a produção global de bitcoin por meio de supercomputadores consome cerca de 91 terawatt/hora. Por ano, isso equivale ao que a Finlândia, com 5,5 milhões de habitantes, consome no mesmo período.
As empresas que já atuam no mercado terão pelo menos seis meses para se adaptar às novas regras, prazo que terá início após a sanção da lei.
Proteção e segurança
Entre as diretrizes instituídas pelo PL 03825/2019, estão medidas que visam garantir a proteção dos investidores contra golpes e a divulgação de informações pessoais. Uma delas é a inclusão das operações conduzidas no ecossistema de ativos digitais no Código de Defesa do Consumidor.
O projeto também torna crime a prestação de serviços relacionados a criptoativos “com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena é de um a quatro anos de prisão, além de multa.
Caso o PL seja sancionado, as exchanges serão obrigadas a controlar e manter os investimentos dos clientes de modo segregado e garantir a proteção dos seus dados, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O texto ainda realça a necessidade de “prevenção à lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores, combate à atuação de organizações criminosas, ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais”.
O senador Irajá (PSD-TO), relator de um projeto de lei sobre criptomoedas que apresentou parecer favorável à aprovação da PL 03825/2019, comenta que o objetivo da regulamentação não é engessar o ambiente de negócios, mas criar mecanismos para proteger os agentes envolvidos nessas transações.
Com efeito, casos de crimes cometidos no universo das criptomoedas é o que não faltam. Para ficar só em um exemplo: no último ano, a Polícia Federal prendeu Glaidson dos Santos, cuja empresa prometia retorno mensal de 10% sobre o valor investido por meio do ecossistema de ativos digitais. Contudo, as investigações revelaram que Glaidson, na verdade, operava um esquema de pirâmide financeira que fez milhares de vítimas em todo o Brasil.
O Brasil como polo do mercado de criptoativos
Embora as operações com criptomoedas não sejam ilegais no Brasil, o país ainda não possui uma regulação própria para o produto. Desde 2019, a Receita Federal apenas exige a comunicação de transações acima de R$ 30 mil por mês com moedas digitais para combater a sonegação fiscal e crimes como lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas ao exterior.
As atuais discussões sobre a regulamentação das criptoativos surgem na esteira do aumento das negociações com moedas virtuais. No último ano, os contribuintes brasileiros declararam à Receita um total de R$ 200,7 bilhões em negociações com dinheiro eletrônico, mais do que o dobro do registrado em 2020.
O que também subiu foi o número de pessoas que comunicam operações com criptomoedas: de 125 mil para 459 mil por mês entre 2020 e 2021.
De fato, as moedas digitais no Brasil deixaram de pertencer apenas a círculos restritos de internautas ultra liberais para se tornar uma nova classe de ativos para os investidores.
Para especialistas de mercado e jurídicos, o novo projeto de lei tende a impulsionar cada vez mais essa popularização, na medida em que diminui os riscos de golpes e poderá atrair grandes instituições financeiras para o setor, que hoje o evitam por causa da falta de clareza regulatória.
Outro ponto da proposta afirma que as regras valerão tanto para empresas nacionais como para estrangeiras, o que deve favorecer a competitividade na economia cripto.
Em contrapartida, a intervenção do Estado na área pode acabar deixando a atividade das corretoras mais custosa e burocrática. Sem falar que o aumento dos impostos sobre as operações com criptomoedas tende a desestimular o desenvolvimento da indústria.
Enfim: se bem implementada e administrada, a nova regulamentação pode tornar o Brasil um polo de operações com criptomoedas.
Leia mais: O que é e como funciona o blockchain: além das criptomoedas
Cenário global de operações com criptomoedas
A regulamentação das criptomoedas é um assunto debatido mundialmente. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden anunciou em janeiro que publicaria uma série de medidas para regular a indústria americana de ativos digitais.
No entanto, o texto da Casa Branca esbarrou em Janet Yellen, secretária do Tesouro que considerou a ordem executiva de Biden desnecessária. Yellen afirmou que o Federal Reserve, a SEC — a CVM dos EUA — e o próprio Tesouro já estavam trabalhando em propostas de regulação de dinheiro eletrônico.
Com o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, uma lei que coloque ordem no universo cripto por lá ainda deve demorar um pouquinho para sair do papel.
A China, por sua vez, foi pelo caminho oposto: apesar de já ter sido considerado o centro mundial de mineração de bitcoins, o país declarou ilegais todas as transações com o criptoativo no ano passado. Na época, as autoridades chinesas alegaram que as moedas virtuais estavam aumentando a lavagem de dinheiro, os esquemas de pirâmides e outras atividades criminosas em seu território.