Como investir no agronegócio? Estratégias dos fundos para investir em startups do agro
Artigo atualizado em 7 de novembro de 2023
O agronegócio é um dos setores mais tradicionais da economia mundial. Porém, com o apoio das agtechs, este setor tem incorporado cada dia mais soluções tecnológicas que ajudam a otimizar a produção, economizar recursos e promover a sustentabilidade. Quer entender como investir no agronegócio com estratégias de negócio?
Neste artigo, você vai conhecer um pouco mais sobre o agronegócio na América Latina, seus desafios, a atuação das agtechs e como os maiores fundos de investimento no agronegócio selecionam as empresas que serão apoiadas. Boa leitura!
Um breve contexto sobre o agronegócio na América Latina
Você já deve ter ouvido que o agronegócio move a economia latino-americana.
Tal pensamento tem fundamento, já que o agronegócio representa mais de 10% do PIB da maioria dos países da região.
Além disso, atualmente, o setor é a maior atividade econômica da América Latina.
No momento em que olhamos especificamente para o Brasil, podemos notar que os dados são ainda mais surpreendentes: o agro compõe quase 25% do PIB nacional e detém 27% de toda a força de trabalho brasileira.
Ao todo, a América Latina exporta cerca de 20% de sua produção agrícola, o que alimenta cerca de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo.
Pouco surpreendente, a grande maioria (63%) dos produtos originam-se no Brasil, cuja produção ocupa 48% dos territórios cultivados da região.
Em seguida, temos Argentina, com 10% da produção, e México, com 8% da produção.
De fato, alcançar esse tamanho e importância de mercado só foi possível com investimento e avanços em tecnologia.
De acordo com a Empraba (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), os investimentos em tecnologia no agronegócio foram responsáveis por 59% do crescimento do valor bruto da produção agrícola entre a década de 1970 e 2022.
Isso significa dizer que a adoção de maquinários, tecnologias de pesquisas e produtos transgênicos, por exemplo, revolucionaram o agronegócio e o transformaram no que conhecemos hoje.
Apesar disso, o setor ainda enfrenta muitos desafios.
Desafios para implantação de tecnologia no campo
Para começar, o campo ainda não possui uma ampla cobertura de internet.
Muito pelo contrário: 73% das propriedades rurais brasileiras estão desconectadas da internet, segundo o Ministério da Agricultura.
Além disso, na América Latina como um todo, apenas 36,8% da população rural tem acesso à internet de qualidade.
Com essa falta de conectividade, fica mais difícil levar tecnologias emergentes para o campo, diminuindo o acesso aos benefícios proporcionados pela tecnologia.
Outro grande desafio reside no aumento populacional.
De acordo com a ONU, até 2050 a população deve alcançar a marca de 9,7 bilhões de pessoas.
Para atender as demandas geradas por tamanho contingente populacional, a América Latina terá que aumentar sua produção agrícola em 80%, de acordo com o Inter-American Development Bank (IADB).
Além disso, espera-se que a região, junto com a África Subsaariana, sofra a maior expansão de terras cultiváveis até 2050.
Assim, um crescimento tão alto e acelerado utilizando os modelos de produção atuais é insustentável.
Isso porque os recursos naturais são finitos, escassos e estão constantemente ameaçados.
Portanto, é essencial que os produtores adotem técnicas de manejo sustentáveis, de forma a aumentar a produção sem prejudicar o meio ambiente.
Para solucionar esses desafios, ao mesmo tempo que fazemos um melhor uso e preservação das terras, podemos contar com as agtechs, startups voltadas para soluções tecnológicas no agronegócio que vêm recebendo cada vez mais investimentos.
Em seguida, vamos explorar um pouco sobre o papel das agtechs.
Agtechs: revolucionando o mercado agro
Parceiras importantes para o agronegócio, as agtechs começaram a se popularizar na região nos últimos anos.
Atualmente são 769 agtechs que atuam na América Latina como um todo.
Ainda assim, os investimentos no agronegócio a partir dessas empresas caminhava em ritmo lento até meados de 2017.
Isso porque ainda havia muitas incertezas quanto à integração de novas tecnologias no campo.
Tais preocupações eram movidas pela falta de conectividade nessas regiões e no receio de adoção de novas tecnologias por parte dos produtores.
Porém, com o nível de incerteza diminuindo, de 2017 para cá, as agtechs já receberam quase US$ 650 milhões em investimentos, estando 80% desse investimento no agronegócio concentrado no Brasil.
Curiosamente, 2022 foi o ano que as agtechs mais captaram recursos (US$ 273,3 milhões), apesar do inverno das startups.
Outro fato interessante de se observar é que a maioria dos deals encontram-se em estágios seed e pré-seed, o que demonstra que a maior parte das soluções de tecnologia do mercado agro ainda estão em fase inicial de desenvolvimento.
Porém, alguns investidores do agronegócio enxergam, nessa lacuna de maturidade, oportunidades únicas de investimento.
Conversamos com a SP Ventures e com a Indicator Capital para entender como essas gigantes do mercado de venture capital identificam essas oportunidades de investimento no agronegócio.
SP Ventures: apostando na inovação sustentável para investir no agronegócio
A SP Ventures é uma gestora de venture capital com foco em startups early-stage de agronegócio e foodtech na América Latina.
Fundada em 2007, com foco em agtechs desde 2010, a empresa tem sede em São Paulo e já investiu em mais de 40 empresas, com quase R$ 500 milhões sob administração.
Em conversa com o Distrito, Francisco Jardim, sócio fundador, e Juliana de Podestá, Head de ESG, compartilharam sua expansão na América Latina e o processo de investimento. Confira:
Além de investirem em startups brasileiras, vocês começaram a aportar em algumas startups de outros mercados da América Latina. Qual tem sido a estratégia por trás dessa expansão? Vocês buscam teses semelhantes ou diferentes das exploradas no Brasil?
A estratégia por trás da expansão da SP Ventures para investir em startups de outros mercados da América Latina, além de investir em startups brasileiras, está relacionada à crescente oportunidade que as AgFoodtechs têm demonstrado na região. Essa classe de ativos tem se destacado por seu rápido crescimento, dinamismo e resiliência geográfica.
A conexão intrínseca entre a economia agrícola e de alimentos na América Latina torna as AgFoodtechs especialmente adaptáveis para expandir seus negócios além das fronteiras nacionais.
Isso ocorre devido às extensas operações geográficas de distribuidores, revendedores, grupos de negociação e indústrias de insumos espalhadas por toda a região da America Latina. Essa infraestrutura torna mais fácil para empresas com soluções bem-sucedidas, como produtos e modelos de negócios, estenderem seu alcance para outros países.
Nesse contexto, a SP Ventures está em uma posição única para ser a primeira e melhor escolha de investimento para empreendedores de outros países da América Latina que buscam capital financeiro e intelectual estratégico para entrar no mercado brasileiro. A SP Ventures possui um profundo conhecimento local da indústria, compreende os principais players do mercado brasileiro e tem a capacidade de conectar e apoiar as empresas do seu portfólio na rápida expansão dentro do Brasil.
Além disso, eles têm acesso a uma vasta rede de profissionais dispostos a ajudar a transformar o segmento, colaborando com as empresas do portfólio.
Poderiam descrever o processo de due diligence que a SP Ventures segue ao avaliar potenciais investimentos em Agtechs?
A abordagem que a SP Ventures utiliza para analisar potenciais investimentos em startups Agtech em estágio inicial contempla vários pontos de análise:
1. Equipe de Gestão: Avaliamos a experiência, capacidade da equipe fundadora e o tempo que trabalharam juntos.
2. Tamanho do Mercado: Analisamos a dimensão do mercado e as oportunidades de crescimento.
3. Produto ou Serviço: Realizamos uma análise detalhada do produto ou serviço, incluindo sua singularidade, proposta de valor e como se diferencia da concorrência.
4. Modelo de Negócios: Buscamos compreender como a empresa gera receita e se o modelo de negócios é viável.
5. Tração/Clientes: Procuramos evidências de que a startup está ganhando tração no mercado, observando números de clientes, receita e outras métricas-chave de crescimento, bem como a satisfação dos clientes, recorrência e outras métricas relevantes.
6. Concorrência: Realizamos uma análise da concorrência direta e indireta, destacando como a startup se posiciona no mercado e seus diferenciais competitivos.
7. Financeiro: Avaliamos os principais indicadores financeiros em relação ao modelo de negócios.
8. Conformidade e Aspectos Jurídicos: Realizamos uma revisão dos aspectos legais e de conformidade da empresa, incluindo questões de propriedade intelectual e regulamentação.
É importante destacar que, além desses pontos, a SP Ventures leva em consideração outros aspectos importantes, dependendo da tese de investimento, o que pode levar a aprofundamentos específicos em cada área.
Além disso, buscamos alcançar retornos financeiros, sempre com responsabilidade e criação de valor para a sociedade. Para garantir isso, realizamos um abrangente processo de diligência ESG (Ambiental, Social e Governança), avaliando mais de 100 questões relacionadas a essa temática.
Quais são os principais desafios do ecossistema latino na hora de encontrar boas startups?
Em relação aos desafios específicos enfrentados pela SP Ventures na hora de encontrar boas startups para investir:
1. Escassez de startups maduras: Em comparação com outras regiões, a América Latina pode ter um número limitado de startups maduras e consolidadas no setor de agfoodtech, o que pode limitar as oportunidades de investimento para fundos de venture capital.
2. Dificuldades na validação de mercado: Validar oportunidades de mercado no setor de agfoodtech pode ser complexo devido à diversidade de culturas, práticas agrícolas e condições climáticas na América Latina. Os fundos precisam avaliar cuidadosamente a viabilidade das startups em diferentes contextos.
3. Educação e capacitação: Muitos empreendedores na América Latina podem não ter acesso à educação e capacitação necessárias para desenvolver startups de tecnologia agrícola, o que pode afetar a qualidade das startups disponíveis para investimento.
4. Questões ambientais e regulatórias: As regulamentações ambientais e de segurança alimentar podem ser rigorosas e variar de país para país na América Latina, e os fundos de venture capital precisam estar cientes dessas questões ao avaliar startups.
Indicator Capital: investindo no agronegócio a partir de tecnologias emergentes
A Indicator Capital é uma gestora de venture capital especializada em IoT (Internet das Coisas) e deep tech.
Com foco em startups de tecnologia na América Latina, a empresa foi fundada em 2014.
Atualmente, a Indicator já investiu em mais de 20 empresas, com mais de US$ 370 milhões sob gestão.
Fabio Iunis de Paula, cofundador da gestora, nos contou um pouco sobre a relação da empresa com as tecnologias emergentes e o que está por trás da avaliação das startups. Confira:
Como a estratégia de investimento da Indicator se alinha com as tendências emergentes e as inovações tecnológicas no setor agro?
A tese da Indicator Capital – primeira imagem – está muito bem alinhada com as inovações e tendências que permeiam atualmente o setor de agtech.
Já o segundo quadro, por sua vez, mostra o overlap da nossa atuação com o mercado agro.
Em algumas áreas, olhamos o panorama de forma proativa para tecnologias e soluções disruptivas que tenham congruência com nossas teses principais de Internet das Coisas (IoT), Conectividade, deep tech e Transformação Digital.
A tese da Indicator nasce extremamente alinhada com o Plano Nacional de Internet das Coisas, pela qual entendemos que as pessoas estão cada vez mais inseridas em cidades inteligentes, com sistemas de saúde tecnológicos, com agropecuárias mais eficientes e uma indústria 4.0 consolidando todos os produtos desenvolvidos.
Tudo isso será revertido para a população com preocupações e certificações de sustentabilidade e responsabilidade social, uma vez que os dados serão interpretados via tecnologias que otimizam a eficiência produtiva e energética.
Por fim, os dados são devolvidos aos cidadãos com uma camada de segurança.
Quais são os principais critérios utilizados para avaliar o potencial de crescimento das startups neste setor?
Como mencionado anteriormente, o setor de agtech é um dos principais pilares da tese da Indicator, sendo ele constantemente estudado, aprofundado e atualizado para encontrarmos boas oportunidades no setor que visem a eficiência energética e produtiva.
Sendo assim, segmentamos nossa procura por startups de modo proativo ou de oportunidade, por empresas que resolvam as dores antes da fazenda, dentro da fazenda e depois da fazenda.
Os critérios de avaliação são similares aos critérios de seleção de venture capital. E vão desde a capacidade do time, capacidade de execução, até o potencial da solução no mercado e na resolução de desafios latentes do mercado.
Entre os principais aspectos relacionados ao time estão o comprometimento com a construção de longo prazo de um grande negócio. Buscamos, dentro das startups que investimos, empreendedores extraordinários com vontade e capacidade de transformar setores importantes da economia nacional. Comentamos que a Indicator Capital está atrás dos ‘heróis nacionais’ de deep tech, capazes de transcender as fronteiras do país.
Em relação à tecnologia, investimos em soluções potenciais que tragam propostas diferenciadas de valor, para mercados relativamente grandes, com alta demanda e modelos de negócio escaláveis e rentáveis. Outros critérios que avaliamos são o portfólio de clientes e churn, entre outros. Em resumo, buscamos negociações favoráveis com potencial de retorno diferenciado ao capital investido. Geralmente, vislumbramos uma saída do capital em um período de cinco a dez anos.
Até o momento já foram mapeadas mais de 864 startups de Internet das Coisas, sendo 641 no Brasil e 223 com governança internacional. Isto representa mais de R$ 7,1 bilhões em oportunidades de investimento.