Global Founders Capital: Como o atual cenário econômico impacta os investimentos de risco?
Artigo atualizado em 25 de julho de 2022
Conversamos com Guilherme Penna, responsável pelos investimentos LatAm do Global Founders Capital, sobre o atual cenário econômico
De acordo com a plataforma de análises CB Insights, no último ano foram investidos US$ 415 bilhões em startups mundialmente, 35% a menos em comparação com 2021.
Do mesmo modo, as startups brasileiras também sofreram quedas. Elas receberam US$ 4,4 bilhões, 55% menos em comparação com os US$ 9,8 bilhões recebidos em 2021.
Anteriormente, ainda em 2021, as startups encontraram um ano ímpar para o venture capital, principalmente devido à necessidade de digitalização dos serviços criada pela imposição do distanciamento social, do cenário global de juros baixos e do surgimento de novos investidores com apetite por ativos de risco e seus potenciais retornos.
Agora, fatores como o aumento da taxa de juros a nível mundial, a guerra na Ucrânia e a quebra do Silicon Valley Bank deram início ao que chamamos de “inverno das startups”, um período de desaceleração nos investimentos.
Nesse sentido, demissões em massa, aportes menores e down rounds marcaram um dos períodos mais frios para as startups.
Com isso, startups mais maduras de todos os setores, no mundo todo, anunciaram demissões em massa como resposta ao momento desfavorável.
O mesmo ocorreu no Brasil, onde pelo menos cinco unicórnios (Ebanx, Vtex, QuintoAndar, Loft e Olist) demitiram dezenas de colaboradores de uma vez só.
Similarmente, fizeram incontáveis startups menores.
Igualmente, logo surgiram notícias de quedas históricas nas ações das maiores companhias de tecnologia do mundo, como Apple, Amazon, Alphabet, Meta e Microsoft.
Conversamos com Guilherme Penna, responsável pelos investimentos LatAm do Global Founders Capital, para entender um pouco mais como todo esse cenário impacta os investimentos de risco.
De antemão, é importante frisar que essa conversa ocorreu em julho de 2022.
Agora, o que observamos é que o gelo começa a derreter e a primavera parece estar chegando, com a volta de investimentos internacionais e mais rodadas late-stage.
Confira a entrevista na íntegra a seguir!
Estamos vivendo uma crise no Venture Capital?
De que forma as altas taxas de juros e a instabilidade econômica em geral, além das correções de valuations em particular, vêm afetando a operação da GFC?
Os preços de muitas commodities aumentaram de 50% a 300% e, como as commodities impactam fortemente o CPI (consumer inflation index), é apenas uma questão de tempo até que isso se traduza em uma inflação muito mais alta nos Estados Unidos (possivelmente de 15% ou mais).
Mesmo antes do conflito na Ucrânia, a inflação ao consumidor já estava em 8%. No médio prazo, é provável que ela continue alta, pois as considerações geopolíticas levam a grandes mudanças nas cadeias de suprimentos por razões políticas e de segurança nacional, gerando custos significativos e perda de benefícios no comércio.
Para combater a inflação alta, os governos estão sendo forçados a aumentar as taxas de juros. Historicamente, aumentos sucessivos nas taxas de juros nos EUA levam a recessões. A Europa provavelmente sofrerá ainda mais, e os problemas europeus terão efeitos nos EUA.
É improvável que o Brasil e demais países da América Latina saiam ilesos desse período, e isso traz implicações muito significativas para a economia em geral e para as empresas de tecnologia em particular, uma vez que toda a atividade econômica desacelera:
- as empresas contratam menos pessoas
- as pessoas consomem menos
- os fluxos de pagamento diminuem
- a vontade das empresas de experimentar coisas novas diminui
- os orçamentos são congelados, nenhum novo fornecedor é integrado etc.
Obviamente, esse ciclo afeta negativamente a receita de todas as empresas, inclusive as de tecnologia. Os orçamentos que antes eram agressivos e previam elevadas taxas de crescimento não devem se concretizar, dado que o mercado deve consumir menos.
Para as startups, a redução do crescimento, aliada a uma menor liquidez no mercado de venture capital, resulta no estrangulamento financeiro, dado que a maior parte das empresas de tecnologia ainda necessita de capital externo para sobreviver.
Portanto, o baixo apetite dos investidores e a diminuição do consumo me preocupam mais do que a queda de valuations, que é apenas um sintoma da combinação de fatores, mas não a causa raiz.
Desafios e estratégia para superar o momento atual
Quais têm sido os principais desafios enfrentados pelas empresas do portfólio? Quais as estratégias que a firma vêm adotando com suas investidas para superar essa dinâmica de mercado desafiadora?
O maior desafio é a mudança drástica de mentalidade que todos os empreendedores estão precisando passar, de “smart growth instead of fast growth”.
Isso implica na redefinição de todos os planos e estratégias, inclusive reduções de equipe, cancelamento de expansões geográficas, postergação de lançamento de novos serviços, redução de investimentos em marketing e canais de distribuição etc.
Os fundadores e a equipe das empresas têm uma expectativa muito grande de continuar crescendo, e esses ajustes são bastante dolorosos para todos. Eles criam muita ansiedade por todos os lados se, de fato, uma crise ou recessão estiver a caminho.
Mas, no fundo, não importa se, quando e em que medida uma potencial crise ou recessão econômica venha. Toda empresa precisa estar preparada. Recomendamos que cada empresa gerencie seu caixa existente e, se necessário, arrecade agora mais dinheiro do que tem pelo menos para 36 meses de runway baseados em um plano de negócios conservador.
Early stage e desaceleração dos investimentos
Dados do Crunchbase de maio de 2022 mostram que o estágio seed, mundialmente, tem tido uma resiliência maior comparado aos late stages. Isso se comprovou ao longo do semestre para o fundo? Quais fatores podem justificar essa resiliência?
Internamente, vemos o pré-seed e o seed sendo afetados também. As rodadas estão demorando muito mais tempo para serem fechadas e todos os fundos estão bem mais cautelosos. Muitos dos dados públicos de rodadas têm um atraso na divulgação. Isso quer dizer que grande parte das rodadas anunciadas publicamente foram finalizadas meses atrás.
A partir do momento que a liquidez das rodadas de crescimento diminui, o early stage também é afetado, dado que, como fundo, eu obrigatoriamente preciso me preocupar se a startup pré-operacional vai conseguir levantar mais capital nas rodadas posteriores para continuar crescendo e executando sua visão.
Dicas de mestre
Quais as principais recomendações para as startups early-stage enfrentarem esse período difícil?
As empresas devem ter controle sobre os gastos e serem mais conservadoras com os orçamentos futuros. Estamos incentivando fortemente todas as empresas do nosso portfólio a terem no mínimo 36 meses de caixa.
A desaceleração é uma boa oportunidade para melhorar os “unit economics”, rever processos e tornar tudo mais eficiente, focar nos clientes mais baratos, clientes mais lucrativos, cortar toda a gordura, deixar ir os de baixo desempenho etc.
Planejamento muito otimista em relação ao crescimento e a falta de controle com os gastos podem resultar em surpresas negativas. É essencial ter uma visão totalmente transparente sobre quanto dinheiro entra e quanto sai. Muitas empresas esquecem de calcular custos de advogados, gastos trabalhistas de potenciais demissões ou não entendem bem a diferença entre fluxo de caixa e EBITDA, e isso é muito importante.
Portanto, em resumo:
- “Cash is king”
- Os fundadores estão em uma ultra maratona (crescimento contínuo e de longo prazo ao invés de rápido e de curto prazo). Os sprints não são recompensados, pois costumam ter um dispêndio muito grande de energia de forma não otimizada.
- Não há nenhum benefício em não estar preparado. Mesmo as empresas “hot/sexy” e que tiveram rodadas muito concorridas devem se preparar para a mudança do clima econômico e de investimentos.