[Entrevista] CEO da Zup fala sobre desafios e oportunidades com a chegada de novas tecnologias para o setor financeiro
Artigo atualizado em 29 de setembro de 2020
A Zup tem uma missão: ajudar empresas tradicionais a se tornarem mais digitais. Fundada em 2011 pelos sócios Bruno Pierobon, Gustavo Debs, Flavio Zago e Felipe Almeida, a startup havia começado como uma joint venture com o site Buscapé, integrando milhares de lojas por meio de um botão de compras.
Bruno Pierobon
De cinco anos para cá, a Zup cresceu mais de 30 vezes, tendo hoje mais de mil funcionários — ou zuppers, como preferem ser chamados — em 6 cidades do Brasil. No ano passado, ela foi comprada pelo Itaú Unibanco R$ 575 milhões no intuito de acelerar projetos de transformação digital e fornecer novos produtos para os clientes do banco.
Com a chegada de tecnologias como PIX e Open Banking, muitas portas vão se abrir para inovação no setor financeiro. Quais serão os desafios, oportunidades, impactos e estratégias a se traçar neste momento tão aquecido do mercado?
Entrevista completa com Bruno Pierobon, CEO da Zup
A maior oportunidade está para o usuário final. Assim como as pessoas estão acostumadas a entregar dinheiro em espécie, o PIX vem para trazer essa facilidade, fazendo com que as transações financeiras aconteçam mais por aplicativos. Sempre quando olhamos para o cliente, descobrimos qual é o caminho a se seguir. Hoje em dia, todos querem dividir suas contas de maneira simples e flexível, por isso que existem alguns ganhos óbvios com as transações 24/7, ao contrário do TED, DOC ou TEF, onde esperamos minutos, horas e até dias para que sejam confirmadas entre bancos. Com relação a custos, também teremos uma mudança significativa: custo zero para pessoas físicas e, apesar de não ser zero para pessoas jurídicas, uma cobrança menor quando comparado com as atuais taxas tradicionais aplicadas no mercado. Falando ainda de empresas, precisamos levar em consideração também a questão da substituição do modelo de pagamento de boleto, que é lento e atrapalha o fluxo financeiro. A possibilidade de pagamento online melhora muito a experiência da companhia e a do cliente, e consequentemente a relação e prestação de serviços.
Já o Open Banking abre uma oportunidade para o mercado e um aumento da competitividade, pelo fato das empresas conseguirem trocar dados e informações que vão melhorar a competitividade e a experiência para o consumidor final. Também ajuda empresas a interagirem umas com as outras, facilita a proximidade entre o serviço financeiro e a jornada do cliente, e até o aprendizado do Open Banking permite o banco ir até a jornada do cliente, onde a transação realmente acontece, e não o cliente ter que vir o tempo todo para o banco.
Por fim, o Cadastro Positivo, que já vem sendo utilizado em diversos países, facilita a análise de risco na hora de conceder crédito e empréstimos às pessoas, por exemplo, por meio do acesso a informações e históricos do consumidor. Com isso, temos o cenário dos bons pagadores, com acesso a crédito de mais qualidade, e os maus pagadores que precisam reorganizar sua vida financeira. Isto pode acelerar o desenvolvimento de uma proposta de valor para este público, que os ajude a recuperar acesso a crédito.
2. Como a Zup pretende se posicionar para capturar valor neste momento?
Hoje na Zup temos três grandes objetivos. O primeiro deles é, através dos nossos produtos, melhorar a Developer Experience e assim permitir que times de tecnologia e negócios atinjam seu potencial máximo de impacto. Eu acredito fortemente que o Brasil tem uma grande chance de ser uma referência de tecnologia no mundo, pois temos engenheiros incríveis que não perdem em nada para um funcionário de uma Big Tech. O que falta é ambiente e oportunidade para estas pessoas brilharem. Além disso, com o cenário de mudança no mercado financeiro, entre Open Banking e Serviços Financeiros, queremos ter uma participação impactante, principalmente em sinergia com o Itaú, na transformação de levar os serviços e soluções financeiras para as jornadas e necessidades onde o cliente está. E, finalmente, nosso terceiro objetivo está relacionado com a nossa frente de transformação digital: queremos ajudar a aceleração não só no Itaú, com que trabalhamos muito próximos, mas também de outros clientes.
3. A Zup era uma das maiores provedoras de tecnologia para a indústria financeira e anunciou uma transação com o Itaú Unibanco em outubro de 2019 — há quase 1 ano. Como essa transação impactou a Zup e o Itaú Unibanco individualmente? Já é possível identificar resultados?
Sempre atuamos fortemente no segmento financeiro, temos um cuidado e preocupação muito grande de zelar sobre informações sigilosas e estratégicas de nossos clientes — e isto nos ajudou muito no momento pós deal. Estamos constantemente estudando e trabalhando em novas frentes e oportunidades, principalmente as voltadas para criação de produtos tech que aceleram a transformação digital, e agora muito forte também em tecnologia para o segmento financeiro. Com relação ao Itaú, temos trabalhado muito próximos neste âmbito ec om a modernização dos sistemas para Cloud, influenciando na adoção de uma cultura mas voltada para a tecnologia.
4. O mercado de Venture Capital e M&A está muito aquecido no Brasil. As corporações têm se interessado cada vez mais em investir ou comprar startups. Existe uma diferença grande entre a trilha de fundos e de investidores estratégicos. A Zup passou pelos 2 caminhos. Existe uma hora correta para aceitar estratégicos? O que motivou os founders a seguir este caminho?
Nós da Zup nunca tivemos a procura de algum exit estratégico. Já em termos de VCs, fizemos uma rodada com a Kazsek Ventures que foi muito boa para a aceleração da companhia. Sempre tivemos um foco em criar um business incrível, que seja extraordinário tanto para os Zuppers (como chamamos nossos funcionários), quanto para nossos clientes. Sabíamos que se criássemos muito valor, lá na frente surgiria uma oportunidade de IPO, exit estratégico ou de perpetuidade da companhia. Vejo que hoje em dia há muitos empreendedores preocupados em criar empresas para atender a visão de fundos de Venture Capital ou fazer exits estratégicos, mas acabam esquecendo de focar em resolver o maior problema: criar um negócio que resolva uma dor relevante do seus clientes em um mercado de alto potencial. O resto é consequencia disto. E agora falando especificamente sobre a decisão de trazer um estratégico, tivemos alguns fatores-chaves para tomada de decisão, como a proposta financeira, que fazia sentido dado o valor construído como companhia. Outro fator foi que esse deal iria acelerar a implementação da nossa visão e seria muito bom para os Zuppers a longo prazo. E também encontramos no Itaú um estratégico que não só valorizou, como também quer manter a nossa cultura viva.
5. A Zup nasceu com características e mentalidade de startup. É possível manter este mindset e uma operação ágil com o tamanho atual? Quais recomendações você poderia deixar para empreendedores que estão crescendo rápido e precisam optar entre velocidade e criação de processos?
Hoje somos quase 2.000 Zuppers e vemos que sim, é possível manter um DNA ágil mesmo em larga escala. É essencial manter o DNA e pilares de startup, mas é bom mixar com algumas boas práticas de gestão, buscando sempre um equilíbrio. Mudanças são constantes, principalmente em fase de crescimento, o desafio está em se reinventar na mesma velocidade que a companhia cresce. É um processo cíclico de como o CEO lidera e opera a companhia, e também como a cultura evolui concomitantemente.
Dar atenção e foco para a cultura organizacional é um grande diferencial, pois é muito fácil um empreendedor durante a fase de crescimento se distanciar do que acontece na última milha. Para conseguir ter uma cultura forte é necessário não só revisitá-la para assegurar que continue alinhada com o propósito da empresa, mas também garantir que ela se mantenha perene para toda a organização é fundamental. É preciso valorizar e investir no processo de contratação, ter certeza de que está contratando não só um bom time, mas sim o time certo para o problema que queremos resolver, com um alto fit cultural.
Ter um middle management e uma liderança que esteja alinhada com o propósito, capaz de acompanhar a velocidade do crescimento, é imprescindível. Não dar a devida importância para isto é um grande risco que pode até resultar em fracasso.
Com relação a processo vs. velocidade, isto está diretamente relacionado ao time que você contrata, ao perfil destes profissionais e ao que eles irão de fato exercer. Não existe um padrão de perfil certo ou errado, existe o perfil correto para resolver o problema em questão, e de acordo com este problema você precisa entender qual a melhor técnica, framework ou prática a ser aplicada conforme a sua empresa escala e evolui.
Na Zup sempre trabalhamos com um cenário incerto, pois nossa velocidade de crescimento sempre foi alta: dobramos a companhia a cada ano. Aplicamos um mindset de Aprendizado Acima do Plano, isto significa que optamos em fazer um Feedback Loop rápido e constante. Só paramos para planejar e criar processos para questões realmente estáveis e certas.
Minha recomendação é: se você tem uma necessidade de algo rotineiro, mecânico e claro, implemente processos e aloque pessoas com este perfil. Agora, se os desafios são mais incertos e complexos, procure pessoas com um perfil de Solvers e Thinkers. Tome cuidado para não investir tempo demais em planejar algo instável, pois normalmente isto irá levá-lo a errar grande e afastá-lo do conhecimento do campo de jogo e cliente. A última recomendação sobre velocidade é: procure errar aonde quase ninguém errou e tente economizar erros onde muitos já erraram.