Qual o maior erro ao contratar profissionais para uma startup?
Artigo atualizado em 13 de maio de 2020
Este conteúdo faz parte do Distrito São Paulo Report e apresenta entrevista exclusiva com Paulo Silveira, CEO do Grupo Caelum Alura.
Fundada há 15 anos a Caelum encara tecnologia com seriedade, paixão e envolvimento. Com os cursos, mais de 38.800 pessoas se qualificaram para o momento de transformação digital que estamos passando.
Segundo Paulo Silveira, CEO do Grupo Caelum Alura, já são mais de 220 mil horas de ensino com foco em aulas sobre tecnologias abertas (como o pen source e o modelo Agile).
Entrevista Completa com Paulo Silveira, CEO do Grupo Caelum Alura
Poderia falar um pouco mais sobre o Grupo Caelum e o que levou a fundação dele?
Eu trabalhava em uma empresa, que se chamava Sun Microsystems, que hoje faz parte da Oracle. Era muito comum todas as empresas grandes que forneciam tecnologia, como Microsoft, Oracle e IBM, serem muito fechadas em torno dos próprios produtos. Não havia uma estratégia de integração aberta e fácil.
A cultura era outra e quem trabalhava com os produtos da Oracle ficaria somente com a Oracle, quem negociava com Microsoft estaria vinculado somente a essa empresa, e todo os e-wallets e o dinheiro que era gasto em tecnologia ficaria somente com aquele fornecedor. O tal do “vendor lock-in” dentro de todo o ecossistema da empresa.
Esse pensamento durou por bastante tempo. Só na década de 2000, quando eu me formei em Ciência da Computação, nós criamos a Caelum. O Open Source (Código Aberto) era de graça e vinha ganhando muita força e começou a obrigar as grandes empresas a olhar para isso. Então a Oracle, entre outras, não tinha interesse em ensinar essas tecnologias abertas. Por exemplo, nenhuma empresa queria ser associada com o Linux, muito por causa do seguinte pensamento: “vai se o cara migra para o Linux um dia”.
Nós tínhamos uma ideia de que o mercado não era nada fechado, gostávamos de código aberto e de ensinar aquilo que os outros não ensinavam. Então lançamos a Caelum para pessoas que tinham interesse em aprender essas tecnologias.
Na época não havia o termo startup e Venture Capital, então nós queríamos simplesmente ensinar aquelas tecnologias que a gente via que estavam evoluindo o mercado. Open Source e Agile eram palavras que na época tinham muito preconceito. Era comum escutar este tipo de frase: “Software de graça? Quem vai dar suporte?” , “Agile? Isso é coisa de moleque” e por acaso hoje esses dois temas são mainstream.
Então nós nascemos com a ideia de trabalhar com o ensino da tecnologia que muitas empresas, na época, não queriam ensinar e que hoje querem propagar porque viram que não dá para viver mais sem isso.
Então, você acompanhou bastante essa evolução de tecnologias e metodologias que hoje são fortes?
Sim, minha época de faculdade foi quando nasceu na USP o Centro de Competências de Software. Foi quando criaram a primeira competência de Extream Programing que é um termo antigo para Agile. Então eu peguei essa parte na faculdade e fui muito impactado por professores que gostavam disso, a gente estava muito inteirado nessa curva.
Hoje como você enxerga a questão das empresas em educar seus funcionários principalmente nessa era de Transformação Digital?
Hoje, já passou esse momento das empresas tentarem ser resistentes e todas elas encaram software livre, Agile entre outras questões. Não tem um banco grande ou órgão grande de governo que lá dentro você não vai encontrar Kanban, Agile, Linux com força, todos eles você vai encontrar. Obviamente você possa criticar por estarem usando errado, mas nenhuma vai falar aqui não entrar essas tecnologias e metodologias, nenhum lugar vai existir isso. Nos últimos 4 e 5 anos mudou total, é claro que tem um legado muito forte em questões tradicionais presas em um mundo mais fechado, mas o novo é muito bem considerado.
Nós que ganhamos muito nome é porque estávamos muito bem posicionado lá trás, mas a pensar nunca imaginei que todo mundo falasse de Agile Scrum como falam hoje, mas por acaso nós gostamos muito dessas coisas e que hoje virou um mainstream total tanto em startups quanto em empresas grandes, sendo que isso são casos atuais e não do futuro.
Hoje vocês possuem algum produto de educação corporativa para essas empresas?
O B2B da nossa plataforma online, que estamos chamando hoje de Alura Corp, cresceu nos últimos um ano e meio a dois. Temos enxergado as empresas investindo mais em educação online, que já era acessada por pessoas físicas, e hoje está crescendo no mundo corporativo também.
Eestão investindo mais dinheiro e sabem que nós temos esse viés mais forte em softwares abertos, que antes eram mais criticado. As grandes corporações também procuram mais a por saber que nós estamos mais próximos do ecossistema de startups e da tecnologia da moda.
Esse produto corporativo é cheio de relatórios para saber quem está estudando e se está acompanhando o conteúdo proposto pelo gerente. Esse modelo está tendo uma boa aceitabilidade.
Em relação à carreira, como você enxerga o profissional bem-sucedido do futuro na área de tecnologia?
Os mecanismos mostram que precisamos dar atenção a dois pontos. Primeiro de aprender a aprender, ser disciplinado nos estudos e todas essas questões de práticas deliberadas, esses mecanismos de como se deve estudar. Há diversos neurocientistas e matemáticos estudando o assunto, então você precisa ser um profissional que saiba encarar o estudo com seriedade, que sabe separar o tempo para isso. Claro que as empresas precisam ajudar nesta questão, e no final de tudo saber entregar resultados. Não adianta você ser um grande especialista daquela tecnologia da moda se você deixa seu ego te conduzir e tentar resolver um problema com ela, quando um simples Excel ou com WordPress resolveria.
O segundo ponto é o pragmatismo de ser uma pessoa que resolve problemas, porque a tecnologia está cada vez mais entrando em problemas não tão complexos e profundos, mas sempre grandes. A grande massa de empregos que a gente tem é para resolver problemas mais simples. Isso não exige formação em Ciência da Computação. Existe o espaço para o generalista e para o especialista, mas precisa das duas coisas: entregar resultados e saber aprender.
O que explica a falta de profissionais no mercado de tecnologia?
Eu acho que a falta do preenchimento dessas vagas abertas é porque a maioria das empresas busca por profissionais com nível pleno e sênior, e realmente esses profissionais têm mais de cinco anos de experiência e já estão contratados. Eles não estão disponíveis ou buscando emprego e para você formar um profissional desse é necessário tempo.
Existe uma ilusão e muitas pessoas logo caem nessa armadilha: “é só estudar programação que daqui um ou três meses você já tem emprego”. Mas não é assim, a grande maioria não consegue, porque grande parte das vagas está em busca de profissionais com 3 a 10 anos de experiência e isso você não consegue realizar da noite para o dia.
O que está acontecendo é que estamos passando por esse momento da curva de capacitação. Dessa forma, temos dois problemas, primeiro as pessoas precisam encarar que leva tempo para se tornar um profissional. Eu considero que é possível conceder uma vaga dessas para esses profissionais com nível júnior ou até estagiários que vão apanhar muito, mas que vão entregar algum resultado, sem dúvidas, se é alguém que gosta de aprender e de tecnologia.
Dessa forma, para pegar essas vagas que aparecem a toda hora com o discurso “está faltando”, você precisa não só de mais estudo e prática, mas é necessário ter mais vivência e isso demora um pouco, não tem milagre.
Além disso, tem outro problema que as empresas erram em não contratar o júnior. Elas estão nessa brincadeira de oferecer um salário grande para alguém mais experiente mas não se considera que o profissional júnior pode estar mais bem formado e resolver os problemas.
Os problemas de tecnologia que existem hoje vão continuar existindo daqui dois ou três anos. Se você não contratar uma pessoa júnior para ela crescer neste momento dentro da sua empresa, em dois ou três anos nada vai adiantar resolver o problema que você tem hoje e não resolver o problema que você terá amanhã.
Essa visão se refere somente a programadores ou outras áreas e funções também, como por exemplo a área de produtos?
Outras áreas também de tecnologia que envolvem a vida de uma startup. Na área de produtos, o problema é ainda mais grave. Quando as empresas falam que precisam de um Gerente de Produtos, é difícil encontrar qual delas topa contratar uma pessoa que fez administração ou outro curso.
As empresas querem contratar um Gerente de Produtos que já gerenciou ou criou um projeto. Essas pessoas, basicamente, não existem no mercado e também estão bem empregadas. As companhias não querem contratar uma pessoa que está sendo treinada para ser um bom Product Manager. Deveriam contratar para que esse profissional se desenvolva junto com o líder que já está na empresa.
Além disso, cada modelo de negócio dos produtos disponíveis no mercado têm suas especificidades. É muito diferente um gerente que já teve contato com B2B absorver as estratégias B2C e também outros modelos de tecnologias por trás desses produtos, que é essencial dominar. Esse ponto vai levar tempo para ser corrigido no mercado, não existe milagre agora.
Como as universidades podem contribuir para sanar essa dor do mercado?
Agora vem uma opinião um pouco pessoal, se você me pergunta qual é o papel da universidade para esses casos, eu acho que não deveriam se meter nesse problema. A faculdade não deve se ajoelhar para o mercado de trabalho, ver que está faltando gerentes de produtos e ir adaptar as grades dos cursos oferecidos.
Se a universidade se tornar um escravo dessas necessidades que são mais técnicas do que de ciência, as coisas viram de ponta cabeça. Essas instituições precisam alimentar o espírito crítico, a forma de pensar e entender muito bem o que está por trás dessas tecnologias e desenvolvimentos mundanos, para que se um dia aparecer uma coisa nova essa pessoa se adapte.
Deve-se ensinar a aprender, a pesquisar e também como era no passado para que nós cheguemos às “coisas do futuro” que o mercado não está usando atualmente.
As pessoas olham para as novas profissões e falam que a faculdade não ensina isso e realmente não deveria ensinar, porque amanhã essas profissões terão outros nomes e funções. Se por um acaso, essas instituições de ensino conseguirem abranger isso é ótimo, mas não se deve focar. Esse trabalho é de responsabilidade de cursos tecnólogos e técnicos que estão mais ligados ao mercado de trabalho.
Quais são os maiores erros de uma startup ou profissionais em contratar profissionais hoje?
O maior erro é contratarem pensando naquele famoso jargão “ aqui só entra os melhores” ou “queremos apenas os top 2% do mercado”. Sendo que se ele não contratar profissionais iniciantes, que no futuro estarão mais qualificados e, inclusive, mais preparados para os desafios da própria startups, fazendo parte da cultura do negócio.
Sendo assim, se a empresa não contratar os juniores, os estagiários, quem está se desenvolvendo e não é tão bom como os mais experientes, independente do critério de bom, não vai conseguir manter essa esteira de contratação e formação de pessoas incríveis e com fit cultural para a empresa.
Aliás, quão mais júnior você contrata, mais fácil de criar um fit cultural. Parece que as startups estão o tempo todo resolvendo problemas de “agora” e não olhando para os problemas de médio e longo prazo . Dessa forma, elas podem sofrer mais “déficit de contratação” se mantiverem a mentalidade de contratar o pleno que trabalha na outra empresa. Se você não for dar chance para as pessoas que estão iniciando agora em comunidades, faculdades menos famosas, em grupos étnicos, sociais, religiosos etc… Não é uma questão apenas de justiça social, é uma questão que sua empresa realmente não vai ter o mesmo potencial se você não enxergar que precisa dar chance para essas pessoas agora.