Remessa Online: inovação no envio de dinheiro para o exterior
Artigo atualizado em 13 de julho de 2020
A plataforma brasileira de transferências internacionais, Remessa Online é a prova de que o mercado de Venture Capital está aquecido no Brasil. A rodada de investimento recebida de R$ 110 milhões foi liderada pela Kaszek Ventures, um dos maiores fundos de Venture Capital da América Latina. Além disso, contou também com a participação de Kevin Efrusy, sócio do renomado fundo americano Accel, investidor pioneiro do Facebook, com participação da Bewater Ventures.
Com a operação, mais um grande nome começa a fazer parte do conselho da fintech: Hernan Kazah, cofundador do Mercado Livre e da Kaszek Ventures.
A startup, atualmente, soma mais de R$ 10 bilhões transacionados desde sua criação em 2016 e, com o aporte, pretende acelerar e investir em novas tecnologias para desenvolver e deixar a operação mais robusta ainda.
Desde o começo da operação, a Remessa Online foi dobrando de tamanho a cada semestre. Em 2019, o Reino Unido e Europa foram alvos da fintech, com a solução de transferência internacional instantânea de dinheiro para essas regiões. No início deste ano, foi a vez da startup ampliar a atuação pela América Latina. Hoje, os clientes podem enviar dinheiro para países como Chile e Argentina direto para a moeda local.
Conversamos com o fundador da startup Alexandre Liuzzi para compreender a trajetória da startup, como foi a estratégia de captação, quais são os planos futuros e muito mais.
Entrevista completa com Alexandre Liuzzi
Como surgiu a ideia de fundar a Remessa Online?
A empresa surge de uma combinação de uma experiência tanto do Fernando Pavani, CEO e fundador, quanto minha no mercado financeiro que permitiu que a gente entendesse um pouco dos mecanismos, como funcionava, as ineficiências que existiam. Além de sabermos muito bem as dores dos clientes nesse mercado.
Pavani trabalhou em banco durante muito tempo, chegando a atuar na tesouraria, depois passou um tempo na Asset. Além de co-gestor de fundos, ele era muito envolvido nas iniciativas de inovação, desde desenvolvimento de processos automatizados, escalabilidade de boletagem e outros tipos de serviços internos que o banco realizava.
Eu era sócio de uma gestora, então atuei como investidor em empresas de tecnologia, meios de pagamento e serviços financeiros no mercado brasileiro. Esses investimentos me permitiram entender um pouco como funcionava o mercado.
Como estudei um tempo fora do Brasil, vivenciei na pele dor de quem recebe bem menos dinheiro do que o enviado, das dificuldades no processo de cadastro, do custo elevado e da demora para o dinheiro cair na conta de destino.
Então, em 2014, tanto eu quanto o Pavani saímos dos nossos respectivos empregos para começarmos a empreender. Nesse momento o Pavani trouxe o Stefano Milo, que também tinha uma experiência internacional relevante, e juntos começaram a estudar oportunidades, entender as necessidades dos clientes, inclusive, nesse início, eles atenderam pessoalmente vários clientes.
Em 2015, eu e o Márcio William, que co-fundou a Easy Taxi e co-fundou comigo a MAR ventures, nos juntamos ao Pavani e Stefano e criamos a Remessa Online que, desde o princípio, já tinha a visão de conectar empresas e indivíduos com o resto do mundo, trazendo os principais serviços financeiros do mundo inteiro com alguns clicks. Somos uma plataforma brasileira, mas com serviços financeiros globais.
Qual era a relação com a Mar Ventures?
Sou o fundador da MAR Ventures. A MAR participou desde o início na Remessa Online, onde atuamos como co-fundadores, e investiu no Series A, em 2018, de aproximadamente R$ 20 milhões junto com o Global Founders Capital.
A Mar Ventures continua como investidor?
Sim. O braço de investimentos da MAR Ventures continuou acompanhando as rodadas de Series A e Series B. Mas não estamos mais atuando como Venture Builder, já que boa parte do nosso time, dedicação e tempo está na Remessa Online.
Qual a relação da Remessa Online com a BeeTech?
A Remessa Online é a principal plataforma da BeeTech. A BeeTech desenvolve soluções de pagamentos internacionais e infraestrutura cross border para que pessoas e empresas possam ter acesso às melhores oportunidades.
Nesse mês vocês anunciaram um novo aporte. Como foi esse processo de captação? Foi decorrente de uma estratégia que vocês já tinham ou foi uma oportunidade que surgiu?
Captação de recursos sempre foi um aspecto bastante estratégico para a Remessa Online. Nós, que começamos a erguer o negócio com recursos próprios, sabemos da importância de escolher bons sócios que viabilizem a nossa missão e contribuam com o nosso potencial de negócio, muito além do que injetar capital.
O relacionamento com a Kaszek se manteve muito próximo desde os primeiros anos da nossa operação e essa nova rodada estava sendo negociada desde fevereiro, antes da pandemia do novo coronavírus e em um momento que já estávamos entendendo, de fato, as oportunidades que a Remessa Online tinha em atender o segmento B2B, os pequenos e médios negócios que querem exportar.
Desde 2019 já vínhamos acelerando os investimentos na plataforma para esse público e o sucesso nesse novo segmento foi o que trouxe a oportunidade para mais essa captação. O novo aporte da Kaszek veio justamente para agregar ao negócio e expandir ainda mais esse serviço para as PMEs, com objetivo de proporcionar a mesma experiência da plataforma para pessoas físicas, que conta hoje com NPS 91 (Net Promoted Score, índice que reflete a satisfação do cliente), para a nova plataforma.
Dentro da Remessa Online vocês tiveram que passar por alguns milestones para abrir a rodada ou foi uma decisão de momento?
Sempre tivemos que passar por alguns milestones. Diferente de outras empresas que tiveram a oportunidade de começar em um mercado com mais fundos interessados e em um segmento que era mais conhecido, como pagamentos e crédito, nós tivemos que nos provar entregando resultado, crescendo receita e mostrando mais do que product to market fit, mas, também, tração, time, e unit economics.
O primeiro milestone foi o próprio lançamento em 2016, com recursos próprios e que só teve captação viabilizada, de fato, um ano depois, liderada por Marcelo Maisonnave, co-fundador da XP Investimentos, um empreendedor que já admirávamos e que veio agregar muito ao negócio.
Um outro milestone foi relacionado a produto, buscando ampliar a capacidade de atendimento às demandas dos nossos clientes em termos de pagamentos internacionais, ou seja, passamos a conectá-los com investimentos no exterior, pagamento de aluguel e demais necessidades de forma totalmente digital.
sso foi muito importante para aumentarmos nosso addressable market e alavancarmos nosso faturamento mensal, na época alcançado uma métrica de quase R$ 400 mil (em 2018) e permitiu fazermos o Series A com GFC.
Com os recursos do Series A desenvolvemos uma infraestrutura proprietária, desde o onboarding, até processos escaláveis de AML & KYC, reconciliação de pagamentos local e internacional e diversas outras etapas necessárias para concluir um processo de transferência internacional de acordo com a regulação brasileira.
Hoje, processamos mais de R$ 500mi por mês em transferências, e com isso chegamos nessa rodada com a Kaszek Ventures, Kevin Efrusy e BeWater, mostrando que conseguimos atrair os clientes B2B dentro da nova plataforma.
Você sentiu que cada estágio os investidores avaliaram coisas diferentes?
Certamente. A cada estágio, percebemos que os critérios de seleção vão ficando cada vez maiores. No seed, por exemplo, os investimentos são baseados muito no tamanho da indústria, no potencial que existe nesse segmento e nos fundadores, se são empreendedores apaixonados e resilientes.
No Series A, já existe uma comprovação de que foi encontrado o product market fit, ou seja, já existe um crescimento. Os investidores começam a olhar para o negócio tentando entender o unit economics e se o modelo faz sentido.
Quando você chega para um Series B é mais profunda ainda essa análise em cima dos resultados, do modelo de negócios. Mas também entra um crivo com relação a estrutura de pessoas. Como você evoluiu nesse sentido?
Em 2017, na nossa primeira rodada de aporte, eram 15 pessoas na empresa. No Series A, em 2018, eram cerca de 35. Hoje, já são mais de 200 colaboradores. Essa evolução também mostra a um potencial investidor, por exemplo, a capacidade que se tem de construir, gerir a empresa e de recrutar profissionais qualificados, principalmente no C-level e gestores. Uma empresa não é feita apenas pelos fundadores. Claro que eles têm papel importante no começo, mas o negócio é construído por todos. E essas pessoas também são avaliadas no momento de grandes captações.
Como você monta um bom time?
É preciso gastar um bom tempo com pessoas e, nesse aspecto, o Fernando Pavani, CEO, é extremamente focado nisso hoje.
No primeiro momento a gente tem que atrair as pessoas extremamente curiosas, hungry, resilientes, com capacidade de se adaptar. Sempre acreditamos no modelo de partnership, nossos primeiros estagiários são nossos sócios hoje, como o Zapponi e o Wright, e eram pessoas que não tinham exatamente um conhecimento técnico específico naquele momento, mas foram curiosos e conseguiram aprender e crescer muito. Então, quando você pega pessoas focadas em entregar, em resultados, e vai exigindo isso durante o processo de contratação, você vai atraindo talentos com esse perfil, enquanto vai montando uma máquina de recruiting. Ainda estamos evoluindo muito nesse aspecto, trazendo uma pessoa sênior para nos ajudar e evoluir ainda mais nesse aspecto. Hoje, temos gente com diferentes backgrounds, históricos, mas todos acreditam muito na nossa missão, no potencial que existe no mercado de transferências internacionais e em como nós, como empresa, podemos resolver as dores dos nossos clientes.
Como será utilizada esta captação? Qual o roadmap dos próximos meses?
Sempre queremos fazer mais para o nosso cliente. Com o novo aporte, pretendemos acelerar o negócio e investir em novas tecnologias e serviços financeiros voltados principalmente para as pequenas e médias empresas. O objetivo é ajudar na internacionalização desse segmento, com foco no atendimento de empresas que já prestam serviços para o exterior, empresas com gastos e custos em outras moedas ou até mesmo as que estejam em processo de captação de recursos.
Hoje temos o onboarding digital, onde o cliente PME já pode transacionar, mas queremos permitir que ele possa se conectar com diferentes serviços ao redor do mundo. Mas o processo tem que ser digital, tem que ser escalável, porque isso dá eficiência de custos e dá benefícios para os clientes, hoje somos a forma mais barata de transferência no mercado brasileiro, tanto para PF quanto para PJ. Então sempre precisamos investir em eficiência.
Além disso, temos uma preocupação com a evolução do produto, para que seja a melhor experiência, assim como já é para as pessoas físicas, e também planejamos acoplar outros serviços, além de transferências internacionais. Queremos conectar mais produtos financeiros, dar às PMEs serviços de hedges e crédito, além de permitir que os empreendedores tenham uma conta global diretamente da nossa plataforma para gastos e investimentos no exterior.
Como você vê o setor das fintechs no Brasil? É algo que está se consolidando ou ainda tem bastante espaço?
Vejo que já é um mercado que está se consolidando no País, porém ainda com potencial de expansão. Vale lembrar que os primeiros modelos que vieram para desafiar o setor foram os das corretoras, que inovaram com os modelos de plataformas de investimentos e agora estão passando por um processo de consolidação.
No setor de fintech muito possivelmente também vai existir consolidação. Hoje, se vê um movimento em que as startups começam com soluções e necessidades muito específicas mas, conforme vão ganhando escala, começam a ampliar os serviços para servir o cliente de uma forma 360°, seja através de parceria ou de aquisições.
Esse, entretanto, é um setor que está em constante transformação. Por exemplo: estamos vendo agora a evolução do setor de pagamentos brasileiros mas ainda temos muito para evoluir nessa área. O mercado de crédito aqui ainda tem muitos gargalos e os recursos liberados pelo governo não chegaram nos micro e pequenos empreendedores, o juros para esse mercado ainda é extremamente elevado.
Certamente, com a variedade de fundos de venture capital que temos hoje no mercado, haverá um impulso para novos modelos e soluções para o setor de fintechs.
Como o blockchain melhora a segurança nas transações bancárias realizadas pelas fintechs?
Existem diferentes usos e aplicações para o blockchain. A Remessa Online usa a RippleNet, uma infraestrutura de tecnologia blockchain fornecida pela Ripple, para se conectar a mais de 200 bancos e provedores de pagamento ao redor do mundo. Assim, conseguimos fazer transferências internacionais mais rápidas e baratas. Há uma comunicação muito mais eficiente e segura com nossos parceiros internacionais, possibilitando por exemplo uma liquidação em menos de duas horas para o Reino Unido, com a garantia de segurança em toda a transação.
Outro uso, ainda não implementado no Brasil, seria a capacidade de mover os ativos de forma instantânea, com o uso das criptomoedas, para liberar o capital de giro e acabar com muitas ineficiências de diversos intermediários no processo de transferência internacional. Por isso, acredito que veremos cada vez mais usos reais do blockchain.
Quais os seus maiores erros e aprendizados como empreendedor?
Na jornada empreendedora há muitos aprendizados que te preparam ao longo do caminho, trazem maturidade. Minha trajetória começou dois anos antes da criação da Remessa Online, onde aprendi que a coisa mais importante é ter as pessoas certas ao meu lado. No início da jornada tive alguns desafios com isso mas, para fundar a Remessa Online, tive a sorte de ter o Pavani, Márcio e Stefano como sócios, pois conseguimos, juntos, entender o papel de cada um no negócio e por isso chegamos até aqui. Encontrar as pessoas certas é um grande passo da jornada, assim como encontrar os investidores corretos.
No começo da operação, nós não tínhamos uma visão muito estruturada de sermos conhecidos, de estarmos próximo do ecossistema e dos investidores, e acabamos muito focados na execução em si. Ao longo do caminho, entendemos que os resultados eram, sim, necessários e importantes, mas que a construção de uma rede de relacionamento com fundos e gestores também era um elemento essencial.
Outro aprendizado foi a construção de um board e uma disciplina maior na participação dessas discussões. Como empreendedor, muitas vezes, estamos completamente focados na execução, sugados pelos problemas do dia a dia, então poder parar uma vez por mês para para discutir o negócio de forma estratégica é muito importante. E isso, nós aprendemos com o tempo.
E por fim, reiteraria a questão da resiliência. Parece clichê, mas é muito importante para a jornada empreendedora, que tem muitos altos e baixos, muitos ‘nãos’, muitas dificuldades, erros e muitas frustrações, mas que é importante não se deixar impactar.