Pular para o conteúdo
VoltarVoltar
Buy now, pay later: o que é e de onde surgiu a tendência

Buy now, pay later: o que é e de onde surgiu a tendência

17 de fevereiro de 2022
9 minutos de leitura
time

Artigo atualizado em 17 de fevereiro de 2022

Fintechs do mundo todo descobrem o popular crediário brasileiro

Em agosto, a empresa de pagamentos Block (ex-Square) pagou US$ 29 bilhões pela Afterpay, startup australiana fundada em 2015 e que abriu o capital para o público logo em 2017.

Através de um modelo de negócios conhecido como buy now, pay later (BNPL), a Afterpay cobra uma taxa de varejistas para que eles ofereçam pequenos empréstimos nas lojas físicas ou e-commerces, que podem ser pagos em até quatro prestações sem juros ou com juros fixos com taxas estabelecidas de antemão. 

Se a solução lembra o nosso tão popular crediário, é porque a Afterpay não fez mais do que trazer o modelo de carnês para o universo das novas tecnologias. Por incrível que pareça, nos Estados Unidos e em incontáveis outros países, a compra parcelada simplesmente não existe. O máximo que os consumidores americanos conseguem fazer é dividir a fatura do cartão de crédito, mas com juros bastante altos.

Pois foi justamente nos Estados Unidos que a After encontrou sua maior fatia de mercado. Em uma pesquisa realizada pela plataforma The Ascent em março sobre os motivos pelos quais os americanos recorriam ao “compre agora, pague depois”, a maioria dos entrevistados respondeu que era para evitar os juros do cartão de crédito.

Outros tantos alegaram que sequer conseguiam ser aprovados por um cartão. De fato, o modelo de aprovação de crédito BNPL da startup Affirm, por exemplo, admite em média 20% mais clientes do que o de outras empresas com produtos semelhantes no mercado.

Aqui no Brasil, a versão digital do crediário também parece estar ganhando a adesão dos consumidores. A própria Casas Bahia, responsável por difundir o modelo no país já na década de 1950, anunciou no último ano que estava digitalizando o “carnê das Casas Bahia”. Em junho, a varejista tinha uma carteira de R$ 4,7 bilhões no crediário.

No ecossistema das startups, em novembro a Provu (ex-Lendico) divulgou a captação de R$ 1,4 bilhão do Goldman Sachs por meio de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 

Também em novembro, a VirtusPay levantou R$ 100 milhões através de títulos de dívida emitidos pela securitizadora VERT Capital. Para Gabriel Lopes, sócio da VERT, a operação mostra o bom momento que as startups de BNPL estão atravessando no Brasil durante a pandemia.

O que é o ‘buy now, pay later’?

Em tradução literal, “buy now, pay later” significa “compre agora, pague depois” e é um modelo de vendas parceladas via crediário – ou boleto bancário. Nós brasileiros já conhecemos o modelo que está ganhando o mundo atualmente. Alguns estudos constatam que o sistema foi criado por aqui mesmo em 1958, por um empresário que realizava a venda de máquinas de costura. 

Contudo, ele ganhou relevância no varejo em 1950 e sua história se confunde com a história do varejo no Brasil. Na década de 1950, quando o sistema bancário ainda dava os primeiros passos e os cartões de crédito eram uma realidade muito distante, quem não tivesse dinheiro para o pagamento à vista já podia se cadastrar na loja e pagar sua compra mensalmente via carnê, sem um banco. O formato deu muito certo. Primeiro, porque a maioria das pessoas realizava o pagamento no dia combinado. Segundo, porque, ao passo que os clientes voltavam para honrar seus compromissos, realizavam novas compras no comércio.

O fato é que o buy now, pay later é um modelo já bastante popular por aqui e só agora o restante do mundo está compreendendo os benefícios de “pagar mais tarde”. Esse cenário indica que, em breve, deverão surgir muitas soluções para atuar no setor ao redor do globo, mas ao não compreenderem a essência do crediário poderão patinar bastante. 

Aparentemente, o buy now, pay later ganhou força nos Estados Unidos pouco depois do início da crise da Covid-19. Com a imposição do isolamento social e outras medidas de restrição, quem fazia aulas de spinning nas academias acabou ficando sem equipamento para realizar os exercícios. 

Para não abandonar a rotina fitness, o que esse pessoal fez foi recorrer ao pagamento parcelado para comprar uma bicicleta ergométrica pela internet e pedalar em casa. Embora o aparelho fosse caro, em alguns casos era possível dividir a compra em prestações de US$ 50 sem juros.

Não demorou para que o crediário, até então pouco conhecido entre os americanos, se tornasse febre nos Estados Unidos e chamasse a atenção do mundo todo para o “novo” modelo. Assim é que os gringos passaram a lançar mão do BNPL para comprar de tudo um pouco, principalmente cosméticos e roupas.

Em geral, o buy now, pay later ainda é usado para compras menores, de cerca de US$ 140. Aos poucos, porém, os consumidores começam a aproveitar o serviço para adquirir itens de maior valor, como móveis e eletrodomésticos. A startup Sunbit, da Califórnia, por exemplo, permite o financiamento de autopeças, assistência médica, tratamentos dentários, entre outros.

Ao contrário dos brasileiros, os americanos e europeus não estão nem um pouco acostumados a parcelar produtos, muito menos quando o processo é feito pela internet. Logo, as empresas de BNPL ainda vão precisar trabalhar para convencer o consumidor de que financiar itens de alto custo na web é seguro.

Investimentos recordes e parcerias com big techs

Também por causa da pandemia, o número de compras online atingiu níveis recordes nos cinco continentes, abrindo uma enorme janela de oportunidades para as fintechs de buy now, pay later.

Em 2021, essas startups receberam um volume de investimentos globais inédito, mais do que o dobro do que haviam captado no ano anterior. Até 2025, a expectativa é a de que o valor da indústria de crediário online cresça de dez a quinze vezes e ultrapasse US$ 1 trilhão em volume bruto de mercadoria (GMV).

infográfico

Até as big techs entraram na onda do BNPL. Em agosto, a Amazon fez parceria com a Affirm para oferecer a opção de comprar agora e pagar depois no seu e-commerce. Um ano atrás, as ações da Affirm subiram mais de 90% logo no primeiro dia do IPO, alçando o valor de mercado da fintech para US$ 24 bilhões.

Já o Google Pay se associou com a Afterpay e a Klarna para fornecer o serviço em lojas físicas. Fundada em 2005, a sueca Klarna é nada menos do que a empresa de capital fechado mais valiosa da Europa e o principal player mundial no setor de BNPL. Em junho, a startup captou US$ 639 milhões do conglomerado japonês de telecomunicações Softbank, dono do maior fundo de venture capital do mundo. O aporte elevou a precificação da Klarna para US$ 45,6 bilhões e colocou o negócio na lista dos IPOs mais aguardados de 2022.

Aparentemente, a Apple e o Goldman Sachs também estão trabalhando em um suposto “Apple Pay Later”. Em setembro, a mesma Goldman havia pagado US$ 2,24 bilhões em ações pela GreenSky, avaliada em US$ 4 bilhões na sua oferta pública inicial, em 2018.

Leia mais: Neon recebe US$ 300 milhões e se torna novo unicórnio brasileiro

Os riscos e tendências do BNPL

No entanto, nem tudo são flores. O principal risco para quem usa o buy now, pay later talvez seja financiar o pagamento parcelado com um cartão de crédito e acabar entrando em uma espiral de dívidas. Um levantamento do jornal britânico The Telegraph publicado em março revelou que uma em cada 25 transações com cartão de crédito era usada para quitar parcelas de produtos adquiridos por meio do BNPL.

A propósito, no Reino Unido, a adesão ao BNPL quase quadruplicou em 2020, atingindo £ 2,7 bilhões em transações. Segundo o site de finanças Credit Karma, em outubro a região contava com 11,6 milhões de usuários ativos do serviço, que haviam parcelado cerca de £ 5,79 bilhões desde o início do ano e acumulado uma dívida de £ 4,1 bilhões a pagar. 

De acordo com uma pesquisa publicada pela mesma Credit Karma em setembro de 2021, 34% dos americanos que usaram o buy now, pay later acabaram atrasando uma ou mais parcelas. Desses, mais da metade eram millennials ou jovens da geração Z, muitos dos quais acabaram se empolgando e comprando mais do que poderiam pagar.

Com efeito, o enorme crescimento do BNPL se deve principalmente às gerações Y e Z, que representam aproximadamente 75% dos adeptos do “parcelamento sem juros”. Desconfiados das taxas ocultas e das dívidas tipicamente associadas aos cartões de crédito, o público dessa faixa etária é atraído pelo marketing carismático das startups de BNPL, pelas verificações de crédito mínimas e processos de inscrição fácil.

Por sua vez, as empresas de pagamento e emissores de cartões deverão realizar parcerias com provedores de BNPL ou criar suas próprias soluções in-house para se manter competitivos. A Mastercard já anunciou um novo programa chamado “Mastercard Installments” para os Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, que deverá entrar em vigor nos próximos meses. American Express e Citi também estão oferecendo suas versões do crediário online.

Por fim, a tendência é que ainda surjam cada vez mais fornecedores de BNPL white-label. A plataforma de gerenciamento de crédito Neopag, por exemplo, ajuda empresas a criar ofertas completas de buy now, pay later com autorização para manter suas marcas e controle total sobre o serviço.

Leia mais: Panorama do mercado de fusões e aquisições de 2021