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Análise do cenário econômico atual: A fonte secou?

Análise do cenário econômico atual: A fonte secou?

15 de junho de 2022
16 minutos de leitura
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Artigo atualizado em 15 de junho de 2022

Estamos vivendo uma nova crise “tech” ? O capital “infinito” secou? Venture Capital vai continuar crescendo? Startups vão se manter em alta ou a “bolha” estourou? Confira uma análise do cenário econômico atual!

O ano de 2021 foi marcado pela quebra de recordes no financiamento de startups e volume aportado em investimentos de Venture Capital no mundo todo. 

Com a recuperação econômica e o entendimento de que inovação e tecnologia eram essenciais para a sobrevivência das empresas em um mercado extremamente competitivo,  mais de US$ 621 bilhões foram investidos em startups globalmente, um aumento de 111% em relação a 2020, quando foram registrados mais de US$ 294 bilhões. Destaca-se que vários fatores contribuíram para esse número, como baixos juros no mundo inteiro, uma digitalização do consumo de uma forma geral, grandes players internacionais aumentando consideravelmente os cheques aportados nas empresas, um maior apetite dos investidores por investimentos de risco e o aumento dos valuations das startups, principalmente nos megarounds. 

No Brasil, foram registradas 824 rodadas (+45%) e cerca de US$ 9,8 bilhões (+188%) em startups, um crescimento recorde em um país que se destacou em crescimento percentual no cenário global e atraiu grandes investidores estrangeiros em grandes rodadas de investimento.

Contudo, o ano de 2022 está sendo marcado por um período conturbado para empresas de tecnologia de uma forma geral. As gigantes Big Techs americanas Apple, Amazon, Alphabet, Meta, Microsoft, Twitter, Netflix e Tesla perderam mais de 16% em valor de mercado, o que equivale a mais de US$ 1,8 trilhão, cerca de R$ 9,2 trilhões (para se ter uma noção de grandeza, o valor do Ibovespa inteiro é de cerca de R$ 4,1 trilhões). 

Na mesma linha, a maior fintech brasileira Nubank, o maior banco digital do mundo em número de clientes, com mais de 50 milhões de contas abertas, acumula mais de 60% de perda do valor das suas ações desde a sua estreia na bolsa de valores americana NYSE, quando precificou sua ação a US$ 9,00. No Brasil, os unicórnios QuintoAndar, Loft e Facily anunciaram em abril ondas de demissões que geraram grandes manchetes sobre a sustentabilidade de um modelo de crescimento acelerado “a qualquer custo”. 

Por fim, Players relevantes na cadeia de Venture Capital internacional relataram prejuízos bilionários no primeiro trimestre de 2022, como Softbank, Andreessen Horowitz e Tiger Global Management. 

Com todos esses fatores, questionamentos tomam conta do mercado:  Estamos vivendo uma nova crise “tech” ? O capital “infinito” secou? Venture Capital vai continuar crescendo? Startups vão se manter em alta ou a “bolha” estourou? 

Antes de tentar responder a essas perguntas, é essencial entender os principais fatores que levaram ao atual cenário.

Análise da conjuntura econômica atual

Variáveis macroeconômicas desfavoráveis

O ano de 2020 foi marcado por uma pandemia causada pelo Sars-COV-2. Em aspectos econômicos, a retração tanto do lado da oferta quanto da demanda (influenciada pela diminuição de renda e por um medo de ser contagiado pelo vírus) fizeram economias do mundo todo desacelerarem sua produtividade no ano, além da perda de empregos e queda de atividade econômica em diversos setores produtivos. Nesse cenário, o PIB brasileiro teve uma queda de 4,1%; nos EUA a queda foi de 3,4%, e na UE a queda foi em média de 7,6%.

Para conter a queda da atividade econômica, vários países anunciaram grandes pacotes e projetos de estímulo, seja por injeção direta de dinheiro na economia (auxílio emergencial no Brasil e grandes pacotes trilionários nos EUA) ou por medidas de proteção de emprego, linhas de créditos para empresas ou isenções fiscais. Esse movimento teve proporções enormes em alguns países. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais dólares foram impressos em julho de 2020 do que em 200 anos de história, e existem estimativas que cerca de 80% de todos os dólares já impressos na história foram impressos em apenas 22 meses, no período entre Janeiro de 2020 e Outubro de 2021.

Ainda que diversos economistas apontassem que esses “pacotes de emergência” não teriam impacto de grandes proporções na economia mundial, sobretudo em relação às decisões dos diferentes governos, a conta chegou da pior forma possível: inflação

No Brasil, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumula nos últimos 12 meses 10,20%, sendo o IPCA de março (1,62%) o maior desde o Plano Real. No mundo todo, o comportamento dos agentes econômicos é o aumento das taxas básicas de juros para desacelerar a atividade econômica e tentar frear o fenômeno inflacionário, que já é umas das principais preocupações para as economias do globo em 2022.

Para startups e investidores de risco, entre outros agentes do ecossistema de inovação, um cenário de juros crescentes e uma inflação alta é completamente desfavorável.

Embora o Venture Capital e os investimentos privados em empresas de tecnologia tenham uma tese maior que simplesmente retorno financeiro, visando de fato um impacto dentro da sociedade com soluções inovadoras e ter características que são vantagens em momentos de crise, principalmente por serem investimentos acíclicos e de baixa liquidez, quaisquer investimentos de risco são prejudicados por um aumento repentino e significativo nas taxas de juros. 

No Brasil, em 2020, a Selic chegou a patamares de 2%, o que tirava investidores da zona de conforto para encontrar investimentos de maior retorno, fator que beneficiou muito os investimentos privados e contribuiu para 2021 ser o maior ano em volume aportado em startups no país. Contudo, em maio de 2022, a Selic chegou em 12,75% ao ano e existem previsões de aumento, o que migra muitos investidores para ativos mais seguros que possuem rentabilidade satisfatória. 

Essa conjuntura macroeconômica, somada à incerteza sobre expectativas de melhora em um futuro próximo, são extremamente prejudiciais para os investidores, tornando-os mais cautelosos e propensos a investir apenas em ativos em que o prêmio pelo risco é muito alto, ou que de alguma forma torne o risco extremamente mitigado. 

Ademais, destaca-se que as taxas de juros estão aumentando no mundo todo, inclusive em economias extremamente desenvolvidas, como os EUA, que detêm os ativos de menor grau de risco no mundo todo, o que naturalmente leva capital que seria alocado em países emergentes de volta para essas nações.

Nesse cenário, todo o agregado macroeconômico atual impacta diretamente e indiretamente o ecossistema de inovação e financiamento das startups, não só no Brasil como no mundo todo. Ao longo deste artigo, será destacado que o contexto é temporário, e que a perspectiva do crescimento e estabilização dos investimentos em inovação no longo prazo se mantém forte.

Instabilidade política 

No contexto geopolítico internacional, o ano de 2022 está sendo marcado por instabilidade em diversas regiões importantes. Sobretudo, o conflito entre Rússia e Ucrânia no leste europeu impactou as principais economias do mundo, consequência das sanções econômicas contra a Rússia e aliados, aumento no preço dos combustíveis, ameaça às redes de transporte globais e instabilidade econômica de uma forma geral. 

A título de exemplo, a gigante de tecnologia e montadora de carros norte-americana Tesla sofre diretamente com o conflito pelo fato da mineração de silício – metal extremamente utilizado nos produtos da companhia – ter sido afetada, causando extremo desconforto para os stakeholders e está refletindo diretamente nos resultados da empresa.

Entretanto, mesmo que nem todas as empresas de tecnologia sejam afetadas diretamente, todas sofrem indiretamente. Além da inflação de produtos específicos, um estudo trazido pela Harvard Business School intitulado “When Geopolitical Risk Rises, Innovation Stalls” (quando o risco geopolítico aumenta, a inovação para, em tradução livre) mostra o efeito do aumento de índices de tensão geopolítica estando correlacionado negativamente com a quantidade de patentes pedidas e concedidas nos Estados Unidos. 

A conclusão é simples: qualquer risco desestimula inovação e investimento, porque o capital é alocado para opções mais conservadoras em detrimento de investimentos de risco.

Ademais, a China, que é o principal parceiro comercial do Brasil, está passando conjuntamente por uma crise no setor imobiliário, aumento de sanções econômicas por parte do governo sobre as maiores empresas de tecnologia do país e uma continuidade de política “Covid Zero”, que isola regiões em que os casos do vírus se manifestam. As consequências para o país são imagens de portos lotados com navios parados, crises no mercado financeiro e fuga de capital para outras economias emergentes, o que é prejudicial para a economia de uma forma geral, na medida que a demanda por produtos é reduzida e a logística de importação por parte da China é prejudicada, o que afeta diretamente os resultados da economia brasileira.

Como este cenário afeta o Brasil

Além da conjuntura internacional estar desfavorável, o Brasil ainda passa por um ano de eleição, o que naturalmente muda a perspectiva de futuro dos investidores e provoca instabilidade. Daniel Ibri, Partner na Mindset Ventures, em uma entrevista concedida ao Neofeed no início de 2022, já destacava sua visão:  Vejo um ano com primeiro semestre forte, mas que vai perdendo força ao longo do segundo semestre (com as eleições presidenciais)”. Embora não haja uma correlação direta, é mais um fator de instabilidade para os investidores levarem em consideração nas decisões de alocação de capital, já em meio a um cenário econômico desfavorável, como já destacado.

Valuating valuations

Talvez um dos pontos mais importantes, nem tudo é culpa da “crise”. Em 2020, quando as pessoas estavam se acostumando a reuniões remotas e trabalhos home office, as ações do Zoom subiram abruptamente, chegando a patamares nunca antes alcançados. 

A realidade é que os fundamentos da empresa pouco mudaram, mas existia uma perspectiva de que a companhia seria extremamente beneficiada com a nova realidade, sendo as premissas adotadas em cima das projeções financeiras extremamente otimistas, o que elevou o preço de suas ações, e consequentemente seu valuation, a patamares altíssimos sem nenhum embasamento teórico por trás que não a perspectiva de crescimento. 

Outros exemplos semelhantes observados ao redor do mundo foram da britânica Hopin e da norte-americana Instacart, que tiveram seus valuations reduzidos abruptamente após aumentos exagerados e mal precificadas pelos investidores e empreendedores.

Não só o preço das ações do Zoom retornaram a patamares antes da pandemia, como o mercado como um todo entendeu que os valuations praticados nos últimos 2 anos em algum momento deixaram de ter base e estavam pautados em métricas e expectativas difíceis de serem alcançadas. Gigantes do Venture Capital mundial aproveitaram o momento para não perder a oportunidade de estarem nessas rodadas de investimento, e naturalmente o movimento seria corrigido posteriormente.

Como toda “bolha” (embora ainda não possamos usar esse termo para o cenário atual), quando os preços dos ativos se descolam demais dos seus valores reais, a correção é natural de chegar um momento, não necessariamente por um estouro em um dia ou alguns dias, como aconteceu na quebra da bolsa de 29, na “bolha.com” de 2000 ou na crise de 2008, mas em algum momento existe uma correção. Esse ponto é extremamente importante, porque os empreendedores e os investidores precisavam ser lembrados de que empresas precisam gerar resultados financeiros, ou pelo menos ter uma perspectiva de geração de caixa no longo prazo. Destaca-se: não precisa ser no curto ou no médio prazo, mas uma empresa precisa ter uma perspectiva de geração de caixa (LOSADA, Bruna. Finanças para Startups). Isso será destacado com mais detalhes no próximo tópico.

Destaca-se ainda dentro desse movimento e da realidade que os valuations chegaram no último ano que é simplista culpar os empreendedores e fundadores das empresas, principalmente porque a validação das métricas para conseguir o investimento é realizada pelos investidores, grandes fundos de Venture Capital e Private Equity. Existe culpa em todos os lados do ecossistema que causaram o cenário atual, porém é importante destacar que os investidores deveriam ser mais assertivos e rigorosos, mesmo em momentos de alta geral no mercado.

O que as startups podem aprender com o cenário econômico atual

Em algum momento nos últimos 2 anos, ficou comum um entendimento entre alguns agentes do mercado inseridos dentro da cadeia de investimentos em startups que gerar e sustentar caixa, fazer um valuation assertivo e mostrar um valor real da solução por trás do produto da startup eram necessários para os empreendedores. Pois bem, momentos de crise relembram que esses aspectos são extremamente essenciais.

Em algum momento, o real valor das coisas e a aplicabilidade da solução e do modelo de negócio de uma startup dentro da economia real, ou seja, no dia a dia das pessoas, do trabalho e das empresas, foi substituído por uma necessidade de atingir pequenas métricas de crescimento para conseguir chegar à próxima rodada de investimento, e que no fim o ganho de capital para os acionistas seriam o suficiente para manter a roda girando.

O cenário de “crescimento a qualquer custo” de fato não existe mais, fato que está sendo sinalizado por investidores ao redor do mundo com diferentes focos e teses. A Y combinator, referência em aceleração e investimentos semente em empresas de tecnologia, destaca, entre outros fatores, que startups precisam mostrar que conseguem sobreviver nos próximos 2 anos sem levantar novas rodadas, e que o mindset geral dos empreendedores precisa se adequar à nova realidade. 

Startups precisam mostrar para os stakeholders que o empreendimento é sustentável no longo prazo e que existe uma perspectiva de geração de caixa. 

É óbvio que os modelos que existem são focados em crescimento e escalabilidade, e é por essa razão que não é necessário mostrar que o negócio tem que gerar caixa hoje, mas em algum momento nos próximos 20 anos o fluxo de caixa livre, ou seja, a última linha da demonstração de resultado da startup, precisa existir e ser sustentável. Sim, em todos os momentos, mas principalmente em momentos de crise sempre somos lembrados de um dos principais mantras financeiros: “cash is still king”, ou caixa ainda é rei.

Vejamos uma lista de grandes empresas de tecnologia que demoraram algum tempo para serem lucrativas, mas mesmo as que demoraram mais de 10 anos em algum momento atingiram seu ponto de inflexão em seus resultados (break even) e passaram a se tornar (extremamente) lucrativas:

Elucidada a importância do caixa, os empreendedores também precisam focar no que mais é importante dentro de uma startup: propósito. A próxima rodada nunca deve ser a principal prioridade, e sim uma forma de levar uma solução inovadora e disruptiva que irá transformar e melhorar a sociedade, a qualidade de vida das pessoas e ter um impacto positivo e significativo dentro da economia real. 

Para soluções que têm propósito, têm perspectiva de bons resultados e impactam positivamente a vida das pessoas, o ecossistema de financiamento sempre terá grandes cheques que vão permitir escalar a solução da empresa para o cenário nacional ou até mesmo global.

Momento de estabilização: baixas dentro de ciclos econômicos passam

Após todos os fatores expostos, destaca-se: momentos de baixa dentro de ciclos econômicos passam. É natural que os investidores fiquem apreensivos, que empresas tenham que segurar caixa e que empreendedores enfrentem mais dificuldades em períodos de “vale” de um ciclo econômico, e existem alguns que não sobrevivem, como sempre aconteceu desde a ascensão do capitalismo financeiro e da economia moderna, com empresas, órgãos reguladores internacionais, bolsas de valores e diversos outros agentes.

Leia também: 6 grandes empresas que não souberam inovar

Momentos como este são importantes para retornar os valuations das empresas a patamares dentro do valor real dos ativos, e nem todas as empresas vão conseguir financiamento porque os investidores estão de fato mais cautelosos. 

Porém, boas empresas, com boas ideias e um modelo de negócio sólido que tem perspectiva de caixa e um produto ou serviço capaz de gerar externalidades positivas na sociedade sempre serão almejadas e visadas pelos investidores. 

O cenário é complexo e cheio de incertezas, existe uma tendência óbvia dos investidores em alocar seus recursos em empresas que têm uma certeza maior de performance e diminuam novos investimentos, pequenos fundos focados em investimentos early tendem a reduzir bastante por não conseguirem levantar caixa, é preciso resiliência para passar por momentos de baixa.

O ecossistema de inovação brasileiro se desenvolveu muito e tem muito talento embutido, seja empreendedores, mão de obra tech qualificada ou investidores que são capazes de encontrar as melhores soluções. 

O legado positivo gerado nos últimos dois anos irá se manter no longo prazo, feitas as correções de rota. O momento de fato é de segurar caixa, mostrar solidez e resiliência para passar por essas situações, mas também é de refletir sobre o propósito das empresas para o longo prazo e como elas vão permanecer sustentáveis até atingir o patamar desejado.

Destaca-se ainda que o investimento em startups, embora tenha desacelerado em uma perspectiva mundial, continua em alta no Brasil, principalmente pela grande quantidade de fundos captados nos últimos 2 anos. Esses investidores institucionais, embora estejam cautelosos com investimentos e procurem métricas mais sólidas, estão procurando soluções para investir, e empresas que conseguem captar em momentos de baixa mostram para o mercado uma força muito grande.

Momentos de baixa existem sempre e eventualmente são substituídos por ciclos de alta do mercado, é essencial estar preparado para todos os cenários.

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