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Empreendedorismo feminino: a trajetória de Jihan Zoghbi, fundadora da healthtech Dr. TIS

Empreendedorismo feminino: a trajetória de Jihan Zoghbi, fundadora da healthtech Dr. TIS

19 de março de 2021
8 minutos de leitura
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Artigo atualizado em 19 de março de 2021

A ausência feminina no mercado de trabalho e a preferência por homens para cargos de liderança propagam consequências perigosas. Essa realidade gera abismos estruturais que dificultam às mulheres o direito de acessar algumas áreas de atuação. Esse fato é evidenciado pelo Female Founders Report, um estudo do Distrito Dataminer sobre a representatividade feminina no ecossistema de inovação e tecnologia. Segundo o report, apenas 4,7% das startups são fundadas por mulheres.

Algumas dessas barreiras sociais foram enfrentadas por Jihan Zoghbi, fundadora da Dr.s TIS e residente do Distrito for Startups. Libanesa, mas morando no Brasil há 23 anos, ela foi a primeira mulher a sair da aldeia em que morava para ir estudar na capital do Líbano. Contrariando as expectativas, sempre gostou muito de números, queria se tornar professora e ganhou uma bolsa de estudos para ingressar na Universidade Americana de Beirute para estudar matemática. De lá pra cá, consta em sua história outras decisões de coragem.

Reafirmando seu papel de luta por equidade de gênero dentro do ecossistema, o Distrito conversou com empreendedoras mulheres e divide suas histórias nessa série de artigos durante o mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Conheça um pouco da trajetória de Jihan Zoghbi e inspire-se com ela. 

Chegada ao Brasil 

Jihan atravessou o Oceano Atlântico aos 21 anos para morar no Brasil. Aprendeu português sozinha. Casou-se e foi mãe. Depois de cinco meses de sua chegada, decidiu que faria a segunda graduação. Seguindo na área de exatas, optou por cursar Ciência da Computação no Mackenzie. Foi uma das poucas mulheres de sua turma. “Os homens só começaram a falar comigo depois que tirei nota máxima na primeira prova”, revela. Seu primeiro trabalho no Brasil foi na Ameplan, uma operadora de saúde. “Lá tive a oportunidade de fazer uma revitalização do Data Center. Fiquei responsável pela instalação de novos servidores”, compartilha.

Em seu terceiro ano de faculdade, Jihan foi aprovada em um concurso para trabalhar como Analista de Sistemas na Agência Estado. “Foi incubada a mim a missão de digitalizar o portal do jornal”, diz. A profissional organizou todo o arquivo, tanto de texto quanto de imagem, em um banco de dados e, assim, surgiu o portal na internet, em 2001. “Durante minha passagem de dois anos pelo Estadão, fiquei grávida do meu terceiro filho e decidi que era a hora de pedir demissão para me dedicar a outros interesses”, explica. 

“Feminismo é educação e cultura, estudar e mostrar que você é capaz de fazer o que é proposto”

Transição para a área da saúde

Depois da saída, Jihan foi prestar consultorias de Data Analytics para bancos. Foi nesse período que surgiu a vontade de ingressar no mestrado. Existia em Jihan o desejo de trabalhar na área da saúde, mas sua afeição por números era tanta que tornou-se mestra em Ciência da Computação, na Universidade de São Paulo. “Foquei meus estudos em processamento de imagens médicas usando modelos matemáticos para segmentar tumor cerebral”, explica. 

O interesse por esse objeto de estudo veio do campo familiar, Jihan já havia perdido um irmão para o câncer. “Eu queria usar a tecnologia para ajudar no diagnóstico de doenças e permitir o acesso às pessoas que não tinham condição financeira de pagar por isso”, conta. Foi no doutorado, também em Ciência da Computação pela USP, que seus estudos foram aprofundados em Deep Plane. “É uma Inteligência Artificial onde montamos uma rede neural aplicada à classificação de imagens médicas normais e anormais”, exemplifica.  

Empreendedorismo feminino

Durante seu último ano de doutorado, uma visita à Jornada Paulista de Radiologia lhe rendeu um insight importante. “Eu vi muitas empresas estrangeiras com sistemas de diagnóstico de imagem e poucas iniciativas nacionais e estava ciente dos avançados estudos e da quantidade de gente talentosa e capaz no Brasil. Isso despertou o desejo de fazer algo disruptivo que alcançasse também o mercado internacional”, relembra. Assim surge a Dr. TIS, uma healthtech especializada em diagnóstico de imagem.

Jihan recorda que, no início, abrir um negócio foi um grande desafio devido à burocracia imposta no processo. “Precisei do aval da Anvisa e da Vigilância Sanitária porque o sistema envolve diagnóstico. Tive de fazer isso sozinha porque estava começando e foi bastante caro. No final, esperei um ano para conseguir essa permissão e, enfim, começar a comercializar o produto em 2019”, explica. Para a empreendedora tudo valeu a pena porque a plataforma teve uma ótima aceitação. 

Dr. TIS

A Dr. TIS é focada em diagnóstico de imagem para atender hospitais de pequeno, médio e grande porte e centros de diagnóstico que não tem verba para investir em servidores locais. Para acessar o serviço da startup, esses centros compartilham imagens na nuvem para serem acessadas por médicos radiologistas que conseguem emitir laudos de qualquer lugar. Outro benefício é referente aos pacientes, que recebem esse laudo pelo celular, sem precisar de chapas. 

“O CNPJ nós abrimos em 2016, mas o produto só começou a rodar em 2018”, afirma. Com um pouco mais de dois anos no mercado, a Dr. TIS atua em duas frentes: plataforma de imagens médicas de telerradiologia e plataforma de agendamento, teleconsulta e prontuário eletrônico. “Nosso foco em 2021 é o uso de Inteligência Artificial nos nossos produtos”, revela. 

Distrito for Startups

A Dr. TIS se tornou residente do Distrito for Startups em janeiro de 2019. “O hub de healthtech foi muito importante pra mim porque na época eu não tinha espaço físico para alocar os meus 14 colaboradores. O ambiente é fantástico e as salas muito bem equipadas”, diz. Jihan revela que graças a comunidade, a visibilidade dentro do ecossistema lhe abriu grandes portas. “Nossa relação com outras startups cresceu muito e isso foi fundamental para a Dr. TIS”, finaliza. 

Distrito for Startups

Entrevista

Como surgiu seu interesse na área de tecnologia?

O primeiro estímulo foi do meu esposo. Eu estava propensa a continuar estudando matemática aqui no Brasil, mas ele me sugeriu pesquisar sobre a área de Ciência da Computação por o campo de atuação ser mais amplo. Eu gostei porque sabia que veria um pouco de matemática somada à computação e aprenderia como aplicar esse conhecimento de forma prática. O segundo estímulo que tive foi de um professor para fazer mestrado e doutorado na USP porque os cursos de computação ficam dentro do campus de matemática e estatística e lá eles valorizam muito a teoria. Isso me incentivou muito. E, por último, ter perdido meu irmão de câncer me fez querer ajudar outras pessoas que precisam de diagnósticos delicados através da tecnologia.  

Na sua opinião, por que é baixa a representatividade da mulher no mercado de tecnologia e inovação?

Isso é completamente cultural, o incentivo já deveria vir da escola e não da faculdade. A didática dos professores é um motivo, como eles apresentam a matéria em sala e as alunas passam a não gostar. Matemática também tem a ver com educação financeira, e quase nenhuma de nós aprende sobre finanças pessoais, como economizar, como administrar o dinheiro e se organizar financeiramente, esse é outro motivo. Na faculdade existe pouca aproximação entre academia e a indústria, isso também interfere no ingresso de mulheres. 

Sabe por que o Brasil está tão atrasado em Data Analytics e Análise de Dados? Porque ele não remunera bem profissionais de matemática e estatística, eles são a base teórica quando se vai trabalhar com dados. Sem essa base não há desenvolvimento. 

Qual a importância dos dados para uma startup?

Os dados são a base para você montar uma startup, primeiro começar a mapear o mercado e os concorrentes. Vou dar um exemplo: para trabalhar com telemedicina você precisa conhecer o mercado como um todo, quem tem convênio e quem não tem, onde se concentra os médicos no Brasil, é importante saber quantos hospitais existem, tanto da esfera pública quanto da privada, quantos operadores de saúde estão atuando e as principais patologias. Sem dados é impossível desenvolver uma startup porque o sucesso dela está em escalar e sem dados você não escala. 

O que aconselharia para mulheres que querem investir na área de tecnologia?

O conselho que deixo para as mulheres é para que elas sempre busquem as melhores oportunidades para aquele momento. Desempenhar o melhor no que sabem fazer. A mulher em si é criativa, inovadora, já nasce com isso, ela consegue mudar e inventar mais que o homem. Estudar bastante é muito importante. conhecimento é a base, sem educação não vamos para lugar nenhum. Não pare na graduação, faça especialização, intercâmbios, se possível. É preciso correr atrás do sonho e investir nele.