Pular para o conteúdo
VoltarVoltar
O venture capital e as startups late-stage no Brasil

O venture capital e as startups late-stage no Brasil

2 de março de 2023
7 minutos de leitura
time

Artigo atualizado em 2 de março de 2023

Em 2021, o mercado brasileiro de novas tecnologias atingiu números recordes em termos de valores investidos e acordos assinados (deals). Porém, em fevereiro de 2022 os aportes de risco começaram a minguar em nosso país, principalmente para as startups mais avançadas na trilha do venture capital (série C+), as chamadas late-stages.

Para se ter uma ideia, em 2021 foram aplicados US$ 5,8 bilhões nas late-stages brasileiras, o equivalente a 63% do total investido no nosso ecossistema de inovação naquele ano. Em 2022, esse valor caiu para US$ 1,5 bilhão, ou 45% do acumulado no ano.

Na verdade, essa mesma tendência também pode ser observada em outras regiões além do Brasil. Segundo a jornalista Joanna Glasner, em artigo para o Crunchbase:

Ao que parece, valuations de empresas tech públicas em queda e um mercado de IPOs praticamente fechado têm mais impacto sobre investimentos late-stage. No early-stage, quando o exit ainda está provavelmente a anos de distância, os investidores têm menos motivos para se preocupar com as condições atuais do ecossistema.”

Leia até o final para entender melhor a recessão na indústria de venture capital e por que as companhias late-stage foram as mais afetadas por ela.

A recessão na indústria tech global

Embora a pandemia tenha contribuído com o crescimento dos investimentos em novas tecnologias mundialmente, ela também causou prejuízos incalculáveis para as economias. Com o PIB em queda, vieram os pacotes de estímulo dos governos.

Por mais que os especialistas apontassem que esses auxílios emergenciais não teriam fortes impactos na economia global, a conta acabou chegando da pior forma: inflação alta.

O conflito entre a Rússia e a Ucrânia fez disparar o preço do barril de petróleo, afetando as redes de transporte e contribuindo com o enfraquecimento da atividade econômica em geral.

Na China, segunda maior economia do mundo e principal parceiro comercial do Brasil, as empresas de tecnologia sofreram sanções dos Estados Unidos sob a acusação de que o governo chinês estaria apoiando a Rússia na guerra. A política de “covid zero” conduzida pelo país asiático, com sua infindável determinação de lockdowns, também maltratou a indústria e o comércio chineses e, consequentemente, do resto do mundo.

A recessão na indústria tech nacional

No Brasil, a disparada da Selic (hoje em 13,25% ao ano) aumentou as dívidas das empresas, levando os investidores a diminuir o ritmo das apostas. O IPCA chegou a acumular 10,20% em doze meses; em março de 2022, o índice subiu 1,62% em relação a fevereiro, a maior alta desde o Plano Real.

Igualmente inflados parecem ter ficado o valor de mercado das nossas startups. Os motivos por trás dessa inchaço, bem como a própria acurácia dos valuations, têm sido bastante discutidos entre os especialistas.

De fato, a precificação de uma startup considera análises subjetivas a respeito dos seus fundadores e quadro de funcionários, o que pode acarretar números um tanto exagerados.

A avaliação dessas empresas ainda é definida muito de acordo com o seu potencial de crescimento e não segundo sua real capacidade de gerar resultados concretos no presente. Com o recente amadurecimento do ecossistema nacional de inovação, é natural que as expectativas dos investidores quanto ao futuro do mercado estivessem mais altas.

Aliás, outro fator que contribuiu com essa tendência foi o “boom” de novos investidores, que se iniciou em 2017 e que provocou uma acirrada competição pelas nossas startups mais promissoras.

Os fundos de investimento brasileiros passaram a concorrer com grandes gestoras globais, com caixa para realizar investimentos muito mais robustos. Assim é que os primeiros, em clara desvantagem competitiva, ofereceram valuations maiores aos empreendedores como forma de investir nas melhores startups.

Em 2022, após um ano de recorde nos valores investidos em companhias tech no Brasil, muitas daquelas expectativas criadas em torno da indústria nacional de tecnologia acabaram frustradas. A realidade se impôs na forma de demissões, correção de preços e até mesmo falências (caso da fintech Hash, por exemplo).

O impacto sobre as nossas late-stages

Pois bem: períodos economicamente instáveis costumam afetar os investimentos de risco em tech companies de cada nível de desenvolvimento (série A, B, C…) de modo diferente. Enquanto esses estágios possuem desafios bastante específicos, as startups reagem a circunstâncias econômicas, cada uma a seu próprio modo.

Historicamente, as empresas seed e early-stage são as que resistem melhor às crises globais. Isso porque as startups jovens contam com estruturas de operação (escritório, funcionários) menos custosas, o que as torna mais adaptáveis às variações de mercado e economia do que as late-stages, menos flexíveis e com crescimento bastante atrelado à queima de caixa.

Além disso, investidores que apostam em early-stages têm a chance de obter retornos mais elevados e enfrentam menos concorrência na hora de comprar uma participação acionária.

Leia também: Retrospectiva do ecossistema de inovação 2022.

O que esperar das nossas startups late-stage em 2023?

Os fatores que foram apontados como os responsáveis pela retração no mercado de venture capital em 2022 (inflação, juros altos, guerra, etc.) continuarão a influenciar os investimentos de risco ao longo deste ano de 2023. A própria pandemia, por ora controlada, ainda provoca o receio de autoridades e populações no mundo todo.

Em tempos de recessão, investidores também acabam preferindo aplicações de menor risco, como as de renda fixa, associadas à própria taxa de juros. O Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central e que contém as expectativas do mercado, aponta para uma Selic de 12,25% em 2023, de 9,25% em 2024 e de 8% em 2025. Ou seja, a taxa de juros ainda vai levar um tempinho para cair aqui no Brasil.

De acordo com Marcello Gonçalves, sócio gestor da DOMO Invest, a tendência é que os fundos se tornem mais seletivos e os processos de análise demorem um pouco para ser concluídos: “Com certeza, as startups serão mais estudadas, ou seja, terão que passar por um exame mais rigoroso.

O inevitável resultado desse rigor continuará sendo a escassez de capital no mercado, principalmente para as late-stages.

Baixando o preço

Por fim, essas companhias late-stage que estão com o valuation inflado ficaram em uma situação delicada, pois deverão concordar com uma correção de preço (para baixo) caso participem de uma nova rodada de investimentos.

Segundo Cassio Azevedo, investidor de risco com passagem pela Astella Investimentos: “No Brasil, a maior parte do valor dos exits é por meio da venda para players estratégicos, que, naturalmente, se ajustam mais rapidamente ao contexto macro desfavorável. Logo, ainda tem espaço para ajustes para baixo nas expectativas e valuations do mercado privado, sendo menos impactado o early e mais o late stage.

Em contrapartida, por mais que um reajuste de preço possa parecer um passo para trás na trajetória de uma startup, ele também significa que a empresa foi capaz de realizar uma nova captação e que deverá sobreviver pelos próximos anos. Para os investidores, a correção representa uma boa oportunidade para comprar ações em companhias late-stage.