Qual o segredo do Gympass? Confira na entrevista com o fundador João Thayro
Artigo atualizado em 18 de fevereiro de 2020
Mais do que um benefício atrativo para empresas oferecerem a seus colaboradores, o Gympass já é visto ao redor do mundo como modelo de negócio a ser seguido. Esse entusiasmo de outros players para atuar no mesmo mercado não é encarado como ameaça pelo mineiro João Thayro, um dos fundadores da healthtech de bem estar.
Para ele, tamanho interesse é a validação de um formato que veio sendo lapidado desde 2012, com vários erros, acertos e muito aprendizado. Além de somar-se ao seleto grupo dos Unicórnios brasileiros, o Gympass se destaca ainda pela internacionalização bem sucedida. Presente em 14 países, a startup - que oferece acesso a inúmeras academias com uma só mensalidade - segue em expansão acelerada, gerando valor para usuários e empresas parceiras.
“Nossa paixão é auxiliar as pessoas a terem um vida mais saudável e encontrarem uma atividade física que elas amem. São esses atributos que orientam todo o nosso processo de decisão”, elabora João.
Confira a seguir a entrevista completa com Thayro, que detalha a jornada de desenvolvimento do produto, a relação com investidores e os desafios da internacionalização:
Entrevista completa com João Thayro, um dos fundadores do Gympass
Esse título de Unicórnio significa alguma coisa para você? Chegou a ser um objetivo em algum momento?
Acho que existem aqui dois pontos muito importantes sempre que falamos sobre Unicórnios. Do meu ponto de vista, e os outros fundadores do Gympass compartilham da mesma visão, o título em si não é importante. O que importa é que estamos no caminho certo para cumprir a nossa missão de acabar com o sedentarismo e ajudar as pessoas a estarem mais fisicamente ativas. Além de possibilitar também um maior crescimento econômico.
A expansão internacional da empresa é o que possibilitou a gente alcançar essa classificação, e o tamanho da empresa é uma consequência do modelo de negócios funcionar em outros países.
Nosso objetivo desde o início era conseguir auxiliar muitas pessoas. Nunca tivemos como objetivo no início se tornar um Unicórnio.
O Gympass talvez seja o Unicórnio brasileiro que tem o modelo de negócios mais diferente, de onde surgiu a ideia? Quando veio a virada de chave de perceber que o mercado a se mirar era o de benefícios, e não o consumidor final diretamente?
Eu acho que a ideia principal veio de uma dor que nós fundadores enfrentamos. Eu trabalhei muito tempo no mercado financeiro, em torno de 5 anos, e sempre pagava academia, mas não a frequentava. A mesma coisa acontecia com meus dois sócios. Sempre tivemos a frustração de pagar o plano e não o utilizar.
Somado a essa dor, a gente observava as características desse mercado no Brasil. Víamos um mercado muito tradicional, com mensalidades longas, planos pautados em segurar e reter as pessoas. Foi então que veio a ideia inicial de criar um site para vender passes diários para as academias como uma opção mais flexível e racional para que as pessoas pudessem se exercitar.
Esse foi o escopo inicial da ideia, modelo que deu início ao Gympass, lá em 2012. Ao longo do tempo, a gente acabou pivotando essa ideia 4 vezes, até que em 2015
encontramos nosso product-market fit e um modelo que fosse realmente sustentável e que a gente conseguisse escalar.
No começo do Gympass, com esse produto de passes diários, estávamos voltados apenas ao consumidor final, o que tornava o custo de aquisição do cliente muito alto enquanto o lifetime value era muito baixo. Somado a isso, quando esse cliente ia para academia, a própria convencia ele a adquirir planos convencionais.
Isso resultou na nossa primeira mudança de produto, e passamos a vender as mensalidades das academias. Além desse produto, começamos a vender também o que chamávamos de diárias ilimitadas, era uma mensalidade específica do gympass que dava acesso a toda a rede de academias parceiras.
Neste terceiro modelo de produto nós tínhamos uma proposta de valor muito boa para usar. O usuário pagava o mesmo valor que pagava na academia e poderia utilizar toda a rede de parceiros, e isso foi um sucesso a ponto de começarmos a crescer muito no número de clientes. Entretanto, isso gerou um lado negativo, e começamos a canibalizar muitas academias. Percebemos então que o modelo não era sustentável.
Isso ocorreu porque com um modelo de marketplace, existe a necessidade de gerar valor para as duas pontas, e estávamos gerando valor somente para o usuário final. Em determinado momento percebemos que isso não iria vingar, dado que seria prejudicial para as academias. Com toda essa dificuldade de encontrar o modelo ideal, somado a não estar conseguindo a captação de recursos e ter que mandar funcionários embora, surgiu a oportunidade de fechar negócio com a primeira empresa.
E a partir deste momento entramos no quarto modelo de negócio testado, o modelo ideal. A partir da dor das empresas a gente começou a resolver alguns problemas muito importantes, como democratizar as atividades físicas, reduzir o sedentarismo, otimizar os benefícios operacionais e trazer o retorno sobre investimento de benefícios.
Já pelo lado da academia, a gente começou a trazer novos usuários. Com o subsídio das empresas, conseguimos começar a trazer cada vez mais pessoas que, em 70% ou 80% dos casos, nunca haviam ido na academia ou feito atividades físicas. As academias ficaram muito felizes com isso e viram que tinha muito valor nesse tipo de parceria.
Formamos um tripé. Por um lado eu tenho empresas que têm uma proposta de valor muito boa para eles, estão economizando dinheiro com o Gympass, eu tô trazendo mais benefícios eles, estão atingindo mais pessoas, eu tô calculando retorno sobre investimento para eles. Para os funcionários eu acabo trazendo uma proposta de valor muito boa, incluindo aos benefícios da empresa eles ele tem mais flexibilidade, pode escolher mais um centro de modalidade. Por fim, a gente ativa mais pessoas para as academias, e as academias ficam felizes porque eles estão vendo novos ciclos de pessoas.
Percebemos que os três lados do Marketplace estavam com uma proposta de valor legal, todos os lados estavam felizes que a gente estava entregando uma proposta de serviço interessante e que o Gympass era a empresa intermediadora que estava fazendo tudo isso acontecer.
Percebemos que estávamos com um modelo muito bom e que era escalável, e que nenhum player em outro lugar do mundo estava fazendo isso. Começamos então a expandir internacionalmente, o que tem vantagens e desvantagens.
Como o Gympass estava criando um novo mercado, diversas empresas que abordamos tiveram dificuldades em entender o que estávamos fazendo, porque não existia nenhum serviço semelhante. Isso também trouxe uma série de oportunidades.
Dentre os Unicórnios brasileiros vocês são um dos cases de maior sucesso de internacionalização de produto. Quais foram as dificuldades em replicar o modelo de negócios fora do Brasil?
Toda expansão internacional vem com algumas variáveis importantes. E, particularmente, eu acredito que a nossa expansão acabou sendo tão desafiadora e tão difícil quanto trabalhar no Brasil.
Houve vários desafios específicos. Primeiro, a dificuldade de execução. Segundo desafio, que para mim foi o principal, é a capacidade de atrair e reter talentos. No Brasil a gente já tinha um networking positivo de muitas pessoas que eram referência e, quando você entra em um novo mercado ― e ninguém conhece sua marca ainda ― é difícil você atrair as melhores pessoas.
Somado a isso, ainda existe a dificuldade de mudança de língua, cultura.
Para tentar amenizar todos esses fatores, quando iniciamos nossa operação no México ― primeiro país da nossa expansão internacional ― trouxemos pessoas que já trabalhavam ou tinham trabalhado com o Gympass, para poder nos auxiliar nesse
novo país e auxiliar na contratação de pessoas. Foram elas que tornaram esse processo mais eficiente e rápido, pois já conheciam o produto, possibilitando uma execução com menos erros.
Certamente, eu acho que o principal desafio quando você vai para fora é garantir o nível de execução é garantir a mesma capacidade do time em todos os países. Normalmente você já tem países que estão funcionando muito bem, então é necessário realizar um bom acompanhamento. No começo, nós não havíamos nos preparado tão bem, porém foi um aprendizado muito importante para manter a execução nos países que entramos.
Agora que o Gympass atua fora do Brasil, invariavelmente acaba competindo também com players internacionais. Quais são as estratégias para competir neste cenário? O que o Gympass tem que eles não têm?
Acho que uma coisa muito importante é que, na medida em que crescemos, é um ótimo sinal ter outros players trabalhando em cima desse mercado. Isso demonstra que há um potencial enorme e existe oportunidade para todos.
Se nós como Gympass executarmos bem, e fizermos bem o que sabemos, teremos uma fatia cada vez mais mais significativa nesse mercado. E nós sabemos que o nosso modelo é o mais saudável para o ecossistema.
E acho que um ponto de diferencial do Gympass nessa expansão internacional é toda nossa experiência operando no Brasil, em diferentes mercados, trabalhando para atrair grandes empresas e trazendo uma proposta de valor muito clara para elas.
Outro aprendizado importante foi o modelo exclusivamente B2B, porque muitas vezes quando você tem um modelo B2C, um cliente final, você vende mensalidade e nós já passamos por isso. Sabemos que isso acaba gerando uma canibalização no mercado. Já sofremos com isso. Quanto menos errarmos nessa execução, mais sucesso teremos e mais rápido vamos conseguir conquistar novos mercados.
Na nossa visão, nosso maior desafio é como reinventar o Gympass e como ser mais eficientes.
Recentemente o Gympass anunciou a compra da plataforma da startup portuguesa Flaner. Qual foi o raciocínio por trás desta aquisição?
Eu acho que existem várias oportunidades para trazer mais inteligência em benefícios nas empresas, nos usuários, para academias. E essa é uma expertise que nós não temos.
O Gympass não nasceu uma empresa de tecnologia pensando na experiência do usuário. O Gympass é um ecossistema que tem conseguido se conectar com as empresas e com os usuários. E a aquisição da Flaner veio muito a calhar porque criamos um novo hub de tecnologia na Europa.
Estamos trazendo um conhecimento e expertise que nós não tínhamos para reduzir esse tempo de aprendizagem para desenvolvimento e implementação dos nosso produtos. Além, é claro, de nos auxiliar também na nossa expansão internacional. Hoje temos um pólo de tecnologia nos Estados Unidos e agora em Portugal. Queremos ser uma empresa cada vez mais internacional e não uma empresa brasileira operando em outros mercados.
Como é a relação do Gympass com seus investidores? Eles auxiliam no dia-a-dia ou funcionam mais como um board de advisors?
Acredito que o Gympass sempre foi muito afortunado em todo o processo de captação de investimentos. Sempre tivemos investidores, fundos de Venture Capital, que foram muito presentes e apoiaram o desenvolvimento do Gympass. Desde o Seed até os Series mais elevados.
Todos os investidores nos ajudaram bastante e isso foi um dos princípios para escolher quais parceiros teríamos para o desenvolvimento do produto, expansão internacional. Cada um, dentro do seu período de investimento, contribuiu em todos os processos. Não existe um melhor do que outro, todos ajudaram e somos muito gratos a todos eles.
Como você enxerga o momento atual do Brasil? Estamos vendo ano após ano um crescimento no número e volume de investimentos. Quando vocês começaram lá atrás o caminho não era tão pavimentado como agora. Ficou mais fácil empreender?
Empreender sempre vai ser complicado. Sempre irá exigir uma série de privações e desafios para o empreendedor e é extremamente importante o empreendedor se manter resiliente, nunca deixando de estar convencido na sua ideia e na sua capacidade de de execução. Nenhuma história foi somente rosas, nem o Gympass.
Estamos para completar 8 anos agora e, durante os 4 primeiros anos nós não sabíamos se iríamos continuar nossa operação. Foram 4 anos de trabalho duro.
Apesar desse lado do empreendedor nunca ser fácil, hoje existe no Brasil uma oferta de capital muito maior do que quando nós começamos. Em 2012 quase não existiam fundos de Venture Capital no Brasil, então quase todo nosso processo de busca por capital foi feito fora do Brasil ou através de fundos que não eram especializados em VC.
Hoje com a oferta muito maior de capital o processo é muito mais facilitado e o empreendedor tem mais acesso a fundos para implementar a sua ideia.
O que esperar do futuro do Gympass? Existe uma expectativa por parte de vocês de explorar um novo mercado diferente do que é praticado hoje?
Esperamos impactar cada vez mais pessoas nos próximos cinco anos do Gympass, esse é nosso principal objetivo. Nossa paixão é auxiliar as pessoas a terem um vida mais saudável e encontrarem uma atividade física que elas amem. São esses atributos que orientam todo o nosso processo de decisão. Se novas tecnologias, como a inteligência artificial, possibilitarem isso, certamente será algo que iremos ter atenção. Além disso, estamos sempre atentos e estudando novos mercados potenciais para o Gympass. A Ásia é um desses exemplos, é algo que nos interessa muito, e que estamos estudando bastante sobre.
Por fim, iremos sempre buscar aumentar o valor para as três partes envolvidas no nosso modelo de negócio, as empresas, os usuários e as academias. Estamos elaborando novos benefícios, clube de benefícios e clube de compras. Também estamos investindo muito tempo e em tecnologia para desenvolver um modelo de negócios capaz de atender PMEs, um nicho de mercado ainda pouco explorado. Ademais, estamos criando outras plataformas para trazer diferentes tipos de serviço para novos usuários. Tudo isso, novamente, está sendo analisado sempre com o propósito de impactar mais pessoas.
No final é um trabalho infinito. Sempre tem algo para ser feito, ou algo para melhor. Então sempre temos que priorizar e ver qual escolha irá impactar mais.
Se você fosse empreender hoje, supondo que você já tivesse saído do Gympass, qual setor você montaria um novo negócio?
Certamente montaria alguma coisa que pudesse melhor a vida das pessoas, principalmente em atividade física. Isso é algo que me motiva e é um dos legados que quero deixar para meus filhos. Acredito que as pessoas precisam se cuidar mais, ter mais qualidade de vida e encontrar alguma atividade física que gostem.
Gostou da entrevista com João Thayro, um dos fundadores do Gympass?
Que tal conferir todos os insights do nosso estudo Corrida dos Unicórnios?