A Quarta Revolução Industrial e suas tecnologias
Artigo atualizado em 18 de janeiro de 2022
Deep technologies, ou apenas ‘deep techs’, são invenções tecnológicas baseadas substancialmente em desafios científicos ou de engenharia. Trata-se de tecnologias novas, que oferecem vantagens significativas em relação às que existem hoje. Exemplos: inteligência artificial, blockchain, terapias genéticas, computação quântica, robótica, internet das coisas (IoT) e realidade virtual e aumentada.
Em geral, o desenvolvimento de uma tecnologia ‘profunda’ tem início nas universidades como pesquisas de doutorado ou pós-doutorado. O estudante não tem, necessariamente, a intenção de começar um negócio, mas em algum momento do trabalho descobre que pode estar concebendo um produto com um bom potencial de mercado.
No universo dos negócios, são três os fatores que caracterizam as deep techs. O primeiro é o impacto econômico e social que elas são capazes de causar nas regiões em que são adotadas. As tecnologias profundas têm o potencial de provocar grandes transformações em indústrias há séculos estabelecidas ou até mesmo criar mercados inteiramente próprios.
O segundo tem a ver com o — longo — tempo que separa o início das pesquisas sobre uma tecnologia de ponta e sua comercialização ou aplicação prática. Os estudos acerca da inteligência artificial, por exemplo, tiveram início na metade do século XX, mas só em nossa era digital a tecnologia começou a ser empregada por empresas tradicionais e startups. (Leia mais sobre inteligência artificial abaixo.)
O terceiro e último fator que caracteriza as tecnologias de ponta diz respeito aos riscos relacionados aos investimentos necessários para produzi-las. Uma porque a criação de deep techs exige laboratórios bem estruturados e equipes de pesquisadores experientes, o que requer altos volumes de capital desde os estágios mais iniciais do projeto. Mas também porque é bastante difícil avaliar o potencial de uma tecnologia emergente, justamente por se tratar de empreendimentos pioneiros, ainda pouco testados.
Deep techs e a Indústria 4.0
Historicamente, a produção de tecnologias de ponta sempre foi prerrogativa das grandes organizações ou mesmo da comunidade científica, dentro da própria universidade. Atualmente, a disponibilidade de plataformas de cloud computing, como AWS e Azure, reduziu enormemente os custos de se começar um novo negócio. Em 1989, o custo de 1 gigabyte de memória chegava a custar US$ 6,5 milhões. Hoje, o preço está por volta de US$ 4.
Somada a isso, a democratização do acesso ao conhecimento geral trazida pela internet introduziu novos players nesse mercado das deep techs: as startups, aceleradoras, investidores de venture capital, hubs de inovação, enfim, todo o ecossistema de empreendedorismo de tecnologia.
A explosão de empresas tech na última década também forçou empresas de todos os tipos a se manter atualizadas para sobreviver, ficando sempre de olho nas novas tecnologias que vão surgindo no mercado. As companhias vivem em um ambiente de incessante disrupção, com medo de se tornar obsoletas. Para se ter uma ideia, a expectativa de vida de uma empresa hoje gira em torno dos dezoito anos.
Como dito anteriormente, nem sempre a motivação para o desenvolvimento de uma tecnologia de ponta é comercial. Na verdade, muitas vezes o objetivo do pesquisador é encontrar saídas para os grandes desafios ambientais e sociais do nosso tempo. De acordo com Marcio Kanamaru, sócio da KPMG no Brasil: ‘É intrínseco às deep techs abordar soluções para o planeta. Existem Deep Techs dedicadas à saúde, à gestão de resíduos nucleares e à produção de várias outras soluções que passam pelo uso da ciência.
Ainda segundo Kanamaru, as tecnologias profundas provavelmente se tornarão protagonistas na apresentação de respostas para questões como as mudanças climáticas, administração de recursos hídricos, uso sustentável do solo e até mesmo a fome. Naturalmente, também deverão desempenhar um papel de extrema importância no combate à pandemia. (Leia a seção ‘Biotecnologia’, abaixo.)
Outro aspecto fundamental para a ascensão das deep techs é a chegada do 5G, rede móvel potencialmente cem vezes mais rápida do que o 4G e que permitirá que as transmissões de dados, uploads e downloads ocorram praticamente em tempo real.
Juntos, esses elementos caracterizam a Quarta Revolução Industrial, ou Indústria 4.0. Atualmente em curso nos países do Primeiro Mundo, o período é marcado pelo processo de transformação digital que ocorre dentro das indústrias tradicionais e que conta com o suporte indispensável das deep technologies produzidas pelas startups.
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A produção de novas tecnologias no Brasil
De acordo com um relatório publicado pela empresa americana Science-Metrix em 2018, o Brasil ocupa a 13º posição entre os países que mais produzem artigos científicos no mundo. Além disso, o Brasil está em primeiro lugar em termos de porcentagem de artigos científicos disponíveis ao público gratuitamente e sem entraves via internet. Dos artigos divulgados em periódicos nacionais, 74% têm o chamado ‘acesso aberto’.
Por outro lado, em 2010, o orçamento destinado para ciência e tecnologia no Brasil foi de R$ 10 bilhões (a preços de 2017). Em 2017, esse valor foi reduzido para R$ 4,8 bilhões e, em 2018, para R$ 1,4 bilhão. Como consequência, as nossas pesquisas em nanotecnologia, engenharia genética e robótica, que dependem de investimentos mais robustos para evoluir, são as que mais têm sofrido com a falta de recursos.
Outro infeliz resultado dessa negligência é que os investidores brasileiros acabam preferindo injetar dinheiro em startups estrangeiras. Um exemplo é a GRIDS Capital, que no ano passado finalizou a captação de um fundo de US$ 120 milhões para investir em deep techs do Vale do Silício e de Israel.
Guy Perelmuter, fundador e CEO da GRIDS, tem uma visão pessimista sobre o Brasil com relação à produção de tecnologias profundas. Em entrevista para o Distrito em 2021, o executivo citou a péssima qualidade do nosso ensino básico e fundamental (em 2018, fomos o 66° colocado no PISA, em uma lista com 77 países). Ao olharmos para o ranking de facilidade de fazer negócios, a situação também é desanimadora: o Brasil está na 124° posição em uma lista elaborada pelo Banco Mundial com 190 países.
De acordo com Perelmuter: ‘É preciso não apenas um ambiente acadêmico de excelência, mas um ambiente de negócios propício aos investimentos e, mais importante, é imprescindível que seja simples transbordar isso para a sociedade. Esse é o caminho crítico que o Brasil ainda não encontrou, muito em função da ausência de um plano de Estado voltado para o desenvolvimento tecnológico e para a educação de longo prazo.’
Felizmente, o ecossistema de empreendedorismo de inovação brasileiro contribui para atenuar esse quadro, oferecendo alternativas para o desenvolvimento de novas tecnologias no país e mostrando a importância da pesquisa científica, o que pressiona a sociedade e, sobretudo, o poder público a investir nessa área.
Cenários de deep techs
Biotecnologia
Com a crise provocada pela covid-19, começaram os esforços pela produção de uma vacina contra a doença. Pouco mais de um ano após o surgimento do vírus, as primeiras respostas a esse desafio apareceram através da atuação de duas startups: a alemã BioNTech e a norte-americana Moderna.
Ambas as techs ganharam os holofotes a partir da criação, em parceria com grandes farmacêuticas, de vacinas contra a covid baseadas na técnica de mRNA — uma tecnologia pioneira estudada há anos, mas que só agora se tornou um produto com aplicação prática disponível no mercado.
A BioNTech foi fundada em 2018 e lançou produtos inovadores relacionados à imunoterapia e tratamentos oncológicos. No entanto, o primeiro investimento de capital de risco veio apenas dez anos depois, em 2018, no valor de € 225 milhões. O aporte deu início a uma fase de crescimento exponencial da empresa, que culminou em seu IPO na Nasdaq no ano seguinte.
A Moderna foi criada em 2010 e, assim, como a Bio, tornou-se um dos maiores cases de deep tech do mundo com as vacinas de mRNA. Após o desenvolvimento do imunizante, o valor de mercado da healthtech cresceu mais de 1000%, indo de US$ 6,5 bilhões para US$ 100 bilhões em pouco mais de dezoito meses.
Blockchain
A blockchain surgiu em meados dos anos 2.000 para tornar possíveis as operações realizadas através de moedas digitais, como o bitcoin. De acordo com a definição da empresa de tecnologia IBM, a blockchain nada mais é do que ‘um livro-razão compartilhado e imutável que facilita o registro de transações e o rastreamento de ativos em uma rede empresarial’. Por meio dessa corrente (chain) virtual, diversas pessoas podem adicionar e verificar informações relacionadas a trocas de valores ocorridas na internet, mas não alterar nem remover qualquer dado contido nela. É exatamente isso o que garante a segurança e confiabilidade de uma rede blockchain.
No entanto, o fato de a tecnologia dispensar instituições financeiras para validar essas trocas monetárias é o que a torna tão revolucionária: na verdade, há quem diga que a blockchain causará em nossas sociedades uma transformação equivalente às que causaram invenções como o motor a vapor, o rádio, a televisão, o avião e a própria prensa móvel, quase seiscentos anos atrás.
Hoje, a blockchain já extrapolou sua aplicação original como livro-razão de criptomoedas e está sendo testada em inúmeras áreas, tanto por startups quanto por organizações tradicionais. Uma rede blockchain pode documentar pedidos de lojas, contratos online, patentes, direitos autorais, criação de marcas, produção de materiais, entre incontáveis outras coisas.
Materiais avançados
A Novomer é uma startup americana que revolucionou o segmento de materiais avançados. Com um funding de US$ 46,4 milhões, a empresa desenvolve polímeros e intermediários químicos de alto desempenho e ambientalmente sustentáveis. Seu produto, o Novo22, endereça o problema do uso descontrolado do plástico em todo o mundo.
Inspirada pela atividade de plantas e algas, a startup produziu uma tecnologia de ponta que cria plásticos biodegradáveis capazes de substituir o plástico tradicional, que demora cerca de quatrocentos anos para se decompor na natureza, possui um processo de fabricação que consome muita energia, usa produtos químicos perigosos e libera CO2 adicional.
Inteligência artificial
Em 1948, o matemático britânico Alan Turing começou a trabalhar em um algoritmo que seria capaz de jogar xadrez por conta própria, sem interferência humana. O Turochamp, como foi chamado, ficou pronto dois anos depois, mas não pôde ser implementado por causa das limitações tecnológicas daquela época. Assim, Turing resolveu seguir o algoritmo manualmente, usando papel e lápis.
Naquele ano, ele publicou o artigo ‘Computing Machinery and Intelligence’, que começava com uma pergunta inquietante: ‘Máquinas podem pensar?’. No texto, foi apresentado o famoso teste de Turing, em que dois homens e uma máquina se enfrentavam em um jogo de perguntas e respostas. Para passar no teste, a máquina deveria enganar um jogador, levando-o a acreditar que era um humano. Aí surgiu a ideia de inteligência artificial como a conhecemos hoje.
Eis que, décadas após a publicação de Alan Turing, a inteligência artificial está sendo aplicada em diversas indústrias. Entre os projetos de IA que têm ganhado notoriedade, estão os das startups Pilot AI, Latent AI e Impulse, as três do Vale do Silício, e o da Deeplite, de Montreal.
De olho no potencial da inteligência artificial, em 2019, a Tesla adquiriu a startup DeepScale e, em 2020, a Apple comprou a Xnor.ai por US$ 200 milhões. Também em 2020, a Nvidia comprou a Arm por impressionantes US$ 40 bilhões.
Em novembro de 2021, o Brasil contava com pouco mais de setecentas startups especializadas em inteligência artificial. Até 2020, elas receberam aproximadamente US$ 840 milhões em investimentos.