Pular para o conteúdo
VoltarVoltar
Inclusão financeira no mundo das fintechs: como atender os ‘invisíveis’ na economia pós-Covid-19

Inclusão financeira no mundo das fintechs: como atender os ‘invisíveis’ na economia pós-Covid-19

11 de novembro de 2021
11 minutos de leitura
time

Artigo atualizado em 11 de novembro de 2021

De acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva divulgada em janeiro deste ano, 34 milhões de brasileiros não têm acesso a conta bancária ou utilizam serviços bancários com pouca frequência. Com os impactos causados pela pandemia de Covid-19, esse grupo, ‘invisível’ para o mercado financeiro, foi beneficiado por programas como o auxílio emergencial e o ‘merenda voucher’. Esse cenário, mais do que qualquer outro, contribuiu para impulsionar a bancarização dessa população com pouco ou quase nenhum histórico financeiro. Vale notar que o aumento do acesso à internet e da adoção de smartphones no Brasil nos últimos anos também foi um fator importante para a inclusão da população no universo das finanças. 

infográfico

Segundo um estudo da ComScore sobre o cenário da digitalização bancária na América Latina, 73% dos brasileiros possuem acesso ao internet banking, como é chamado o ecossistema das operações financeiras e de dados realizadas através das páginas de banco na internet. O número coloca o nosso país na liderança da digitalização bancária no continente, à frente de Chile, Argentina, Colômbia, México e Peru, como mostra o gráfico abaixo. Isso demonstra não só o amadurecimento do internet banking no Brasil, mas também o do mobile banking: de acordo com a Febraban, 34% de todas as transações bancárias no Brasil em 2020 foram feitas por meio dos smartphones; no mesmo período, o internet banking foi responsável por apenas 23% dessas movimentações.

infográfico

Pois quem mais se beneficiou — e produziu resultados positivos para a população — desse cenário macro foram as startups de finanças. Regulamentadas desde abril de 2018 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), as fintechs conquistaram milhões de brasileiros através do uso de inteligência de dados e produtos pra lá de atraentes. Entre eles, e talvez o principal deles, está o microcrédito, solução que garante o benefício da renda extra imediatamente ao tomador. Aliás, o que levou as pessoas a abrir conta em banco durante a pandemia foi justamente o auxílio emergencial, um incentivo monetário. As carteiras e as contas digitais também foram propulsoras desse processo de bancarização no Brasil, na medida em que deram aos usuários novas opções de pagamento e mais controle sobre suas finanças, além de atuar como intermediadores na contratação de outros produtos, como o próprio cartão de crédito.

infografico

Entre as novas regulações que estão contribuindo com o desenvolvimento social da população desbancarizada, estão o Pix e o open banking, ambas implementadas pelo Banco Central. Lançado em outubro do ano passado, o Pix começou a operar integralmente em 16 de novembro em todo o país. Apenas as vantagens de contar com uma tecnologia gratuita para pagamentos e transferências instantâneas disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, já estimulam milhões de brasileiros a abrir conta em um banco tradicional ou digital. Outro ponto relevante a ser destacado é que, nos próximos anos, a circulação de dinheiro físico provavelmente diminuirá consideravelmente, tornando quase obrigatória a necessidade de usar o Pix até mesmo para transações simples do dia a dia que sempre foram pagas em moedas e cédulas.

infográfico

Através do open banking, os bancos já podem obter acesso ao histórico financeiro das pessoas em outras instituições e conhecer o perfil de cada cliente em potencial de imediato, podendo oferecer os produtos e serviços mais adequados a eles com muito menos burocracia. Assim é que o processo de inclusão pelo open banking não apenas facilitará o acesso a outros produtos financeiros de quem já tem conta em banco, mas também garantirá a qualidade desses serviços adicionais. Sem falar que o compartilhamento geral de dados da população brasileira entre os milhares de players do mercado econômico certamente desencadeará uma competição pela conquista de novos clientes.

Dados: um novo olhar para as fintechs

Para falar um pouco mais sobre esses assuntos, nós convidamos Helena Leite, responsável pelo Planejamento do Mercado de Fintechs na TransUnion. Fundada em 1968 nos Estados Unidos e operando internacionalmente há mais de 30 anos, a TransUnion é uma empresa de análise de informações e insights que impulsiona a inclusão de pessoas no mercado de consumo. A organização fornece inteligência de dados às companhias e empodera os consumidores, promovendo a confiança entre as duas partes e estimulando o poder de decisão de forma simétrica. A TransUnion opera no Brasil desde 2012 com serviços que hoje auxiliam centenas de empresas na prospecção de novos clientes, tomada de decisão no processo de concessão de crédito, risco, cobrança, cross selling e prevenção à fraude. 

Ao falar sobre como os dados são uma fonte de oportunidades para os clientes e podem impulsionar a inclusão de consumidores, Helena Leite nos traz um novo olhar para as fintechs:

imagem de uma mulher sorrindo para a foto

De que modo o uso de dados pode contribuir com a inclusão financeira de populações de baixa renda no Brasil?

Inclusão financeira não é só ter uma conta bancária, mas ter acesso a produtos financeiros que atendam às necessidades do consumidor, como transações, pagamentos, poupança, crédito e seguros.

Apesar de muitos brasileiros terem contas bancárias, são disponibilizados somente produtos básicos, como conta e cartão de débito, sem opções que sanem as reais necessidades desses usuários. Isso acontece porque tais produtos têm menor risco em comparação a empréstimos e cartões de crédito. O risco é um fator determinante na oferta de produtos bancários. Para conseguir mensurá-lo, é preciso conhecer o seu cliente. E é nesse ponto que os dados complementares são tão importantes. No geral, quanto mais informação, melhor a análise. A TransUnion, empresa global de informações e insights, tem atuado cada vez mais próxima das fintechs, tanto por conhecer o modelo de negócios e oferecer inteligência de dados que contribuem na tomada de decisões, como também pela conexão do processo de inovação e de inclusão financeira promovido por esses players ao propósito da companhia de ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Os bancos usam dados de bureaus de crédito e de relacionamento de cada cliente com a instituição para a tomada de decisão. Quanto maior o tempo de relacionamento com o banco, mais informações ele tem sobre a pessoa e mais produtos são disponibilizados. Porém, se um cidadão ou uma cidadã possui um comportamento diferente da média, como usar somente dinheiro ou não ter registros em lojas de diferentes segmentos, fica ‘invisível’ em relação a algumas fontes de dados.

O uso de dados alternativos permite não apenas identificar essa parcela da população, como também gerar insights relevantes sobre o seu comportamento (e o seu grau de risco de inadimplência). Com isso, essa pessoa é incluída na economia, e, uma vez dentro do processo, passa a ter acesso gradual a mais produtos e serviços, retroalimentando esse ciclo virtuoso. Isso é inclusão financeira — trazer o cidadão para dentro da economia, viabilizando o seu consumo e desenvolvimento.

Quais são as principais tecnologias que já estão fazendo ou que farão a diferença para a inclusão financeira no Brasil?

Dados são essenciais no processo de tomada de decisão. Mas, antes disso, o banco tem que chegar até o cliente. Tradicionalmente, as instituições financeiras usavam agências físicas e a capilaridade da rede era ao mesmo tempo um diferencial competitivo dos grandes bancos e uma barreira de entrada no setor. Porém, localizações de difícil acesso — comunidades em bairros periféricos e regiões distantes dos grandes centros — nem sempre possuem agências, e com isso essa população não era atendida. Outro fator relevante é a informalidade: desde a comprovação de renda até de endereço, nos casos de comunidades ou acomodações irregulares, por exemplo.

Com o avanço da tecnologia e o crescimento da cobertura de internet e de celulares no país, o jogo mudou. Hoje, o principal canal de aquisição de clientes é online. E a pandemia acelerou sensivelmente o processo. Com essa barreira de entrada da estrutura física fragilizada, o ambiente para a competição ficou mais justo e viabilizou a entrada de novos players, a exemplo das fintechs.

O aumento da concorrência fez com que a barra de qualidade subisse. Atualmente, abrir uma conta e fazer transações online junto a uma experiência com fricção na medida certa é pré-requisito para uma corporação operar no segmento. E nada disso seria possível sem tecnologias como consulta em tempo real a bancos de dados externos, identificação facial, leitura de documentos, sistemas antifraude, entre outros.

Depois de criar essa estrutura e incluir novas pessoas no sistema bancário, é hora de ofertar mais produtos. E é isso o que ocorre nas fintechs. Algumas começaram com conta digital e cartão de crédito e hoje têm muitos outros serviços, a exemplo de investimentos e seguros, e continuam com o foco na ampliação do leque de ofertas. E, para manter esse ciclo evolutivo, é essencial aprender com as informações geradas pelas pessoas em cada processo, sempre com o foco na redução do risco de operar. Para isso, mais e mais empresas investem em tecnologias de machine learning e inteligência artificial, ajustando os seus modelos de avaliação de risco na concessão de crédito com o aprendizado em tempo real originado de sua carteira de clientes.

Principalmente após a pandemia, que causou uma disfunção no modus operandi da economia, ter informação atualizada e abrangente e utilizá-la na tomada de decisão nas diferentes etapas do ciclo de negócio é crítico para o sucesso das instituições. O open banking vai ser outro grande ativo nesse sentido, mas saber utilizar os dados é um desafio e vai de fato diferenciar os players, incluindo as fintechs.

Qual é o papel do poder público na inclusão financeira dos brasileiros?

Indo direto ao ponto: alinhamento, organização e regulamentação. Para ter sucesso em ações desafiadoras como melhorar a inclusão financeira, ainda mais em um país de mais de 210 milhões de habitantes, é crucial ter claro o objetivo que se quer alcançar. Para destrinchar as causas do problema, definir e priorizar ações, e para manter o alinhamento entre os stakeholders, fazendo ajustes ao longo do caminho.

Em 2016, o Banco Central (Bacen) fez um ótimo trabalho para endereçar esse tópico — o AgendaBC# — tendo como focos de ação melhorar a competitividade e a inclusão financeira. Em cinco anos, temos, entre outras coisas, o Pix, o open banking e a regulamentação das fintechs. São assuntos que mudam o jogo no mercado. Essas ações permitiram a entrada de novos competidores e a adoção de diversas tecnologias que viabilizaram a disseminação da oferta de produtos e serviços bancários pelo país.

Correlacionando ao que comentamos anteriormente, a abertura de contas online é um exemplo claro da atuação do Bacen para tornar viável a digitalização bancária. Regulações de compliance (para conhecimento do cliente e prevenção à lavagem de dinheiro), requerem que as instituições bancárias se comprometam a pedir informações básicas de identificação de cada consumidor e validar a sua veracidade. Ou seja, confirmar que o cliente abrindo a conta é o mesmo que consta nos documentos. Antigamente, esse tipo de validação era feito fisicamente, com o cliente indo à agência, mostrando os documentos, assinando o contrato etc. Hoje, as fintechs usam dados inseridos pelos próprios clientes no portal ou aplicativo, validam esses dados com base em informações externas, usam tecnologia para foto do documento e reconhecimento facial e a pessoa assina o contrato online. Nada disso seria possível se o órgão regulador não adaptasse suas normas, alinhados com a realidade e demanda da sociedade.