Como Israel se tornou um hub de tecnologia
Artigo atualizado em 29 de abril de 2020
Artigo enviado por Gianluca Pirani Xande, estudante da FGV e Novos Negócios na Nexodata
Israel é um dos mais importantes polos de empreendedorismo do mundo. O país é referência em tecnologia, pesquisa e geração de novos negócios. Além de empresas como Waze, WeWork e Wix, que foram criadas por lá, o ecossistema empreendedor israelense é rico em deeptechs, ou seja, startups que desenvolvem tecnologia de ponta em busca de soluções revolucionárias. Exemplos disso são: a Orasis Pharmaceuticals que desenvolveu um colírio que corrige sua visão por 8 horas, o que acaba com a necessidade se usar óculos ou lentes de contatos; e a Utilis que identifica vazamentos de água limpa no caminho até as casas, que são responsáveis pela perda de 37% da produção de água tratada no Brasil.
Em fevereiro deste ano, passei 15 dias lá e me concentrei em conhecer o máximo de pessoas e startups que pude, com objetivo de responder uma pergunta: como que Israel, um país que possuí apenas 72 anos de existência, com 9 milhões de habitantes e uma área territorial equivalente ao estado de Sergipe, pôde se transformar numa potência mundial em tecnologia? A meu ver, a resposta consiste na combinação de três fatores: exército, educação e cultura.
Exército
O serviço militar é obrigatório para israelenses de dezessete anos. Portanto, ao se formarem na escola, todos os jovens ingressam automaticamente no exército, no qual homens permanecem por pelo menos três anos, e mulheres por pelo menos dois. Em muitos países, especialmente no Brasil, fazer parte das forças armadas nem sempre é bem visto, pelo fato de ser considerado um “atraso” na formação acadêmica. Contudo, não é essa imagem que o exército de Israel possui, uma vez que ele traz excelentes contribuições para os indivíduos que por lá passam.
Muitas pessoas imaginam as guerras dos dias atuais como as guerras da Segunda Guerra Mundial, em 1940: soldados correndo pelo campo de batalha e granadas voando para todos os lados. Entretanto, uma guerra não funciona mais assim. Hoje, a maioria dos esforços são concentrados em inteligência, espionagem e drones; em outras palavras tecnologia. Assaf Luxemburg me explicou que oitenta por cento das pessoas que trabalham nas Forças de Defesa de Israel, trabalham em backoffice, interagindo com softwares e hardwares, bem longe do campo de combate.
O exército de Israel conta com forte apoio do Governo Israelense, que possui boas relações com os Estados Unidos, que contribuem financeiramente. Dessa forma, eles têm uma excelente fonte de financiamento, que utilizam para desenvolver novas tecnologias e técnicas de combate. Mais do que dinheiro, o exército possui pessoas de qualidade, especialmente os Times de Elite, que são responsáveis por desenvolver tecnologia de ponta.
Além da qualidade intelectual, esses profissionais têm uma forte motivação para atingir bons resultados. O território que hoje é Israel, foi parte do Império Turco Otomano durante séculos, até o fim da Primeira Guerra Mundial, quando passou para domínio Britânico. Mesmo sob controle inglês, continuou habitada por árabes, judeus, e povos de diferentes culturas que viveram juntos durantes séculos. Com o fim da Segunda Guerra, a ONU determinou que esse território deveria ser repartido entre árabes e judeus, criando o Estado de Israel em 1948. Nesse mesmo ano, houve desentendimento entre as partes, que deu início à Guerra de Independência Judaica, na qual Israel expandiu suas fronteiras. Em 1967, os países em torno de Israel se uniram para declarar uma segunda guerra, dando início à Guerra dos Seis Dias, na qual Israel, novamente, saiu vitorioso e incorporou Jerusalém ao seu território. Já no século XXI, teve início o conflito na Faixa de Gaza, que permanece indefinido até os dias atuais. Dessa forma, há uma tensão constante na região e isso cria senso de urgência, que funciona como motivação, uma vez que entregar um software de defesa antimísseis uma semana antes ou depois, pode ser a diferença entre a vida e a morte de pessoas.
Dessa forma, o exército de Israel torna-se um verdadeiro centro de inovação tecnológica dentro do país, já que conta com recursos financeiros e pessoas de qualidade que se sentem motivadas a servir o país.
Esse hub tecnológico impulsiona o ecossistema empreendedor dado que profissionais que compõem os Times de Elite, normalmente, ao saírem do exército, criam seus próprios businesses, aumentando o número de startups no ecossistema. Esses empreendedores desfrutam de abundância de mão-de-obra qualificada em tecnologia, uma vez que antes mesmo de ingressar na faculdade, os israelenses já possuem experiência nesse mercado, proporcionada pelo exército que é somada à capacitação que adquirem durante sua graduação.
Educação
Localizada em Haifa, a Technion Institue of Technology é a melhor faculdade de tecnologia do país. Lá, conversei com o Ricardo Lemaski, head da Bronica Entrepreneurship Center. Ele me explicou que os cursos de maior prestígio na Technion são Ciência da Computação e Engenharia Elétrica. Isso já nos diz muito sobre os jovens israelenses.
A educação do país é voltada para cursos técnicos, que englobam desenvolvimento de softwares e pesquisa. Esse estímulo faz com que pessoas se dediquem para essas áreas, o que resulta em qualidade quando o assunto é tecnologia. O gráfico abaixo mostra como Israel se destaca no cenário mundial no quesito pesquisa. É o país com maior porcentagem do PIB (4,25%) destinada à P&D no mundo, além terem o maior número de pesquisadores por trabalhador: 17 em cada 1000.
Essa tendência reflete na economia, uma vez que a indústria tecnológica é a mais representativa do país, impulsionada por patentes e descobertas constantes.
Em comparação, no Brasil, dos 7,8 milhões de estudantes de graduação, 20% cursam Administração ou Direito, com Economia em terceiro lugar no ranking. Como resultado, a maior indústria do nosso país é a financeira. Dentre as 10 maiores empresas do país no fim de 2019, 5 são bancos. Fica claro porque somos o país das fintechs, enquanto Israel é o país das deeptechs.
Dessa forma, a educação israelense é voltada para atender a demanda tecnológica do país.
Cultura
O mindset israelense é um fator chave para o sucesso do país. Israelenses possuem um forte senso de comunidade, são intensos e sinceros. Em conversas com israelenses, fica claro a energia vibrante e amor pelo país que eles têm. “O maior ativo dos Israelenses é o nosso país” me disse Michel Abadi, Partner da Maverick Venture. Não faltam exemplos que escancarem a paixão pelo país. Israel é um país jovem e caso seus habitantes não se esforcem para o sucesso do país, como os antepassados fizeram, é capaz que ele deixe de existir num futuro próximo. É com essa mentalidade que todas as crianças foram e ainda são educadas por lá. Isso faz com que as pessoas sempre deem algo a mais e realmente se empenhem em cooperar, já que possuem um objetivo maior. É extremamente vantajoso manter essa “cultura de crise” já que ela leva a resultados melhores em menos tempo e de fato faz com que Israel seja um país sólido.
Ao migramos para o mundo dos negócios, entendemos que ele traz uma contribuição fantástica: cultura de feedback. Israelenses são muito intensos, assim como nós brasileiros, entretanto, eles não evitam confrontos. Com isso, ao pedir feedback de uma ideia, ou um projeto para um amigo ou colega de trabalho, você receberá uma resposta sincera, mesmo que essa seja “Não gostei, jamais usaria, refaça tudo”. No Brasil você dificilmente escutará isso, e provavelmente vai se sentir incomodado, já que nós optamos pela cordialidade para evitar atritos em nossas relações. Os israelenses não, e isso faz com que empresas poupem muito tempo, já que times de trabalho conseguem caminhar na direção correta, resultado de feedbacks constantes.
O gráfico abaixo explica esse fenômeno com teoria. O estudo mapeou as características de negociação em diversos países do mundo. Repare nas posições de Israel e Brasil.
Conclusão
A combinação entre exército como um polo inovador, pessoas voltadas à pesquisa e uma cultura voltada a resultado, gera energia criativa. Essa energia criativa é o combustível que impulsiona a geração de novos negócios em Israel, e que possibilitou a estruturação de um país inteiro em apenas 72 anos. Eles possuem mão de obra qualificada, um centro de inovação tecnológica, pessoas que se interessam pelo assunto além de uma cultura que favorece o rápido desenvolvimento de empresas.
Um ecossistema empreendedor que é liderado por desenvolvedores e pesquisadores terá um apelo tecnológico muito maior do que um outro que seja liderado por administradores e economistas. Tecnologia precisa ser mais valorizada no Brasil, caso contrário continuaremos a gerar startups que apenas melhoram processos de cadeias produtivas com um nível raso de tecnologia. Evidente alguns fatores externos que compõe nosso ecossistema empreendedor são imutáveis. Assim, copiar o que é feito em Israel não é a estratégia correta, mas sim compreender o que eles fazem, e adaptar as melhores práticas para o cenário brasileiro.
Nessa linha, penso que devemos ser mais como os israelenses. É fundamental aceitar e conceder críticas construtivas e sinceras sobre trabalhos ou negócios; trabalhar por um Brasil melhor, ao invés de trabalhar por honra e reconhecimento pessoal; e incentivar uma cultura de crise, porque de fato há muitos problemas latentes no Brasil. Imagine se a intensidade com que resolvemos os problemas da pandemia, fosse a mesma intensidade que resolvêssemos os problemas da educação, política ou saúde. O resultado com certeza seria um desenvolvimento tão rápido e de qualidade quanto o desenvolvimento de Israel.
Se você quer se aprofundar mais no assunto, Daniel Ibri, da Mindset Ventures, traz mais detalhes sobre a evolução de Israel em um dos principais expoentes de novos empreendimentos, startups e tecnologia.